No final de 2017, uma grande polêmica veio à tona ao se descobrir que a Apple ajustou o seu sistema para fazer com que a performance do processador do iPhone 6s fosse diminuída caso o aparelho identificasse que a bateria estava fisicamente gasta.
Isso causou grande indignação, inclusive aqui no BDI, pois parecia que os usuários estavam sendo prejudicados propositalmente por uma falha do aparelho.
Depois a Apple admitiu e explicou que esta atitude foi necessária, para evitar que aparelhos mais antigos desligassem de uma hora para outra, mesmo sem que a bateria tivesse descarregado completamente.
Mesmo com as desculpas, muita gente ao redor do mundo entrou na justiça contra a maçã, afirmando ser um caso de obsolescência programada, ou seja, quando o fabricante reduz de propósito a performance do aparelho para induzir o cliente a comprar um outro mais novo.
Esta semana, a justiça brasileira deu ganho de causa à Apple, por não achar que ela fez isso com má intenção.
O início da história
Tudo começou ainda em 2016, quando diversos exemplares do iPhone começaram a apresentar um desligamento repentino antes da bateria acabar. Os aparelhos desligavam do nada quando ainda marcavam 13%, 20%, 30% e até casos de apagar com 50% de carga.
Na época, nós até fizemos um vídeo aqui demonstrando isso:
Não havia explicação do porquê daquilo acontecer e atingia na época somente modelos 6 e 6s. Aparelhos mais antigos até o 5s não sofriam com o problema.
Nós publicamos aqui os resultados de nossos próprios testes na época, que esclareciam um pouco como o problema acontecia. Vale a pena a leitura:
Na época, consideramos que poderia ser um bug do sistema, porque começou a acontecer justamente depois do lançamento do iOS 9.3.2, não antes. E mais: atingia também aparelhos com menos de 1 ano de uso, o que dificilmente daria para culpar o desgaste físico da bateria.
O que nos fez acreditar ainda mais nessa teoria é que com a atualização do iOS 9.3.3, a maioria dos casos de desligamento deixou de acontecer.
Apesar de nossas conclusões, a Apple tomou atitudes bem diferentes daquilo que tínhamos levantado. Abriu um recall para substituir gratuitamente a bateria do iPhone 6s (o 6 ficou de fora, mesmo apresentando também o problema) e anunciou que o iOS 10.2 traria uma funcionalidade para identificar o estado físico da bateria do aparelho. De fato, a partir dessa versão foi possível ver, direto no sistema, a “saúde” da bateria.
O que ninguém desconfiava na época é que isso parecia ser uma preparação do que viria no iOS 11.
Redução de performance
Cerca de um ano depois, um artigo do co-fundador da empresa criadora do aplicativo Geekbench, John Poole, revelava alguns testes em relação à performance do iPhone. Ele notou (e mostrou em números) que o benchmark de um iPhone aumentava muito após trocar a bateria física por uma nova. E isso até então não deveria ter relação nenhuma.
A polêmica cresceu e gerou críticas no mundo inteiro, até a Apple finalmente admitir que estava mesmo reduzindo a performance dos iPhones com baterias desgastadas, para evitar desligamentos repentinos. Ela chegou a pedir formalmente desculpas por isso.
Para tentar compensar o mal estar, durante todo o ano de 2018 ela ofereceu a troca de bateria por um preço mínimo: R$ 149,00. Qualquer usuário com um iPhone 6, 6s, SE, 7, 8 e X poderia solicitar a troca em uma assistência autorizada, pagando o preço especial.
Processos na justiça
Tudo isso não impediu que muitos usuários se sentissem indignados com a perda de performance e entrassem na justiça contra a empresa. E isso aconteceu no mundo todo, inclusive no Brasil.
Mesmo com todas as atitudes tomadas, a Apple não conseguiu responder a algumas questões importantes:
- Se a redução de performance foi devido ao desligamento repentino dos aparelhos, por que esse problema só começou a acontecer com o iOS 9.3.2 e não antes?
- Se a degradação da bateria seria a causa do problema, por que não aconteceu com iPhones mais antigos, como o 5s, 5, 4s e outros?
- Se é normal a degradação da bateria prejudicar o funcionamento de um aparelho eletrônico (como é o que a Apple afirma), então por que o mesmo fenômeno não acontece com os iPads?
Essas são perguntas que já fizemos aqui no Blog do iPhone, e que até hoje não foram respondidas.
Nos Estados Unidos, França e Itália a justiça deu ganho de causa aos clientes. No país norte-americano, a Apple terá que desembolsar US$ 500 milhões para pagar os clientes afetados. Parece muito, mas de fato cada um terá direito a receber 25 dólares apenas, o que não ajuda nada a compensar o fato da empresa ter diminuído a performance dos aparelhos.
Já no Brasil, a justiça entendeu que a Apple não é culpada neste caso. A Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça, chegou a abrir uma investigação, mas decidiu arquivá-lo por julgar não haver provas suficientes e por acreditar que a Apple tomou as devidas providências.
Depois disso, o Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI) iniciou um processo formal, pedindo indenização de R$ 986,7 milhões por danos morais e que consumidores recebessem o valor pago pelos iPhones atingidos. A alegação foi de obsolescência programada.
O caso foi perdido em primeira e segunda instância, pois os juízes não consideram que a Apple fez isso somente para vender mais iPhones e sim para resolver um problema e melhorar a experiência do usuário.
Nossa opinião
O Blog do iPhone sempre foi bastante crítico nesta questão, pois desde o começo nos pareceu bastante confusas as atitudes tomadas pela Apple.
Na nossa opinião, o que os advogados do IBDI estão errando é em tentar ganhar uma causa acusando a Apple de obsolescência programada, ou seja, sugerindo que a Apple fez isso para obrigar a todos a comprarem um aparelho mais novo. Isso não é verdade, digníssimos advogados.
Claro que muitos sempre acusaram a maçã de forçar obsolescência programada, mas quem faz isso não considera o histórico da empresa. A Apple, ao contrário de qualquer outro fabricante de smartphones no mundo, é a que dá suporte por mais tempo aos modelos antigos, tanto que há casos em que o iOS é compatível depois de 5 gerações. Então acusar a empresa de que ela fez tudo isso para vender mais iPhones é lutar por uma causa perdida.
Para nós, o verdadeiro problema é que as razões que a Apple usa para justificar a diminuição proposital da performance são confusas e inconclusivas, na nossa opinião.
Nenhuma daquelas perguntas feitas anteriormente neste artigo foram ainda respondidas.
Por que o problema de desligamento começou a aparecer somente depois do iOS 9.3.2? Nós comprovamos aqui que estava acontecendo até mesmo em um aparelho com 8 meses de uso, o que descarta qualquer problema de degradação da bateria (pois aconteceu com milhares de pessoas, não somente com uma).
Outro ponto: se é algo “normal” de acontecer com baterias antigas, por que o mesmo não aconteceu com modelos anteriores, como o 5s? Por que isso somente começou a acontecer a partir do iPhone 6, que por coincidência apresentou um novo design totalmente reestruturado?
São perguntas que a Apple nunca nos respondeu.
A impressão que dá é que o problema poderia ter sido originado por um erro de projeto a partir do iPhone 6. Algo na bateria mais fina que causa falhas de tensão quando a saúde dela começa a se degradar.
Porém para a Apple admitir que foi um erro de projeto, significaria que ela teria que reembolsar todos os aparelhos vendidos desde então, o que provavelmente causaria um prejuízo catastrófico para a empresa. Então, remediar o problema limitando a performance foi a solução preferida.
Claro que isso é apenas uma teoria, baseada em algumas evidências. Não há provas técnicas que permitam afirmar com certeza que foi isso que aconteceu.
Na justiça brasileira, o processo agora irá para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF). Mas na nossa opinião, enquanto insistirem em usar os argumentos errados, não conseguirão vencer a Apple.