[opinião] A saída de Jony Ive e as consequências para a Apple a partir de agora
Talvez você tenha ficado chocado quando leu pela primeira vez a notícia de que o icônico Jony Ive estava deixando a empresa que o fez famoso. E é natural: ele representava a alma da maçã, o “resquício de Steve Jobs” que ainda permanecia na empresa. Foi ele quem desenhou a cara da Apple nos últimos 20 anos.
Como pode, justo ele, sair? O que será da empresa agora?
De fato, quem acompanha há mais tempo o BDI já vinha percebendo que este processo de distanciamento não é de hoje, e parecia mesmo apenas uma questão de tempo para isso acontecer.
Dissemos algumas vezes aqui que Jony Ive já estava cansado. E isso ficou muito claro em 2015, quando criaram um novo cargo para ele que o permitiria viajar bastante, sem precisar ficar na sede da Apple.
Lembro-me de ter dito exatamente isso em julho de 2017, aqui no blog:
“Claro que, como fã de design, eu peguei meio mal com esta entrevista. Não pelo que ele disse, mas por ela confirmar uma impressão que tenho já algum tempo: de que Jony Ive está cansado, mas não pode deixar a Apple por ter se tornado importante demais para ela.”
Em outra ocasião, comentei também que não poderíamos esperar grandes revoluções na Apple porque Tim Cook, diferente de Steve Jobs, não tem a capacidade técnica e a paixão de acompanhar de perto o desenvolvimento dos projetos, porque esta nunca foi a praia dele. Ele só dá OK quando o engenheiro (ou designer) mostra o produto pronto para ele.
“Tim Cook pode ser um excelente administrador, mas não parece ser o tipo de pessoa que inspire o máximo do poder criativo de alguém, nem exija sacrifícios absurdos da equipe em prol de um produto. Ele é do tipo que, se um engenheiro diz que algo é impossível de fazer, ele provavelmente concorda e ponto. Assim como centenas de outros CEOs de outras empresas de tecnologia.”
Hoje em dia a Apple não tem um CEO que imagine produtos novos e diga para a sua equipe o que fazer. Cook simplesmente aceita ou não a proposta dos engenheiros, esperando o resultado final.
Neste último domingo, o Wall Street Journal publicou uma matéria sobre a partida de Jony Ive, e adivinhe: o artigo só confirma o que foi dito acima. Diz que ele estava cansado e que Tim Cook raramente visita o estúdio de design para saber o que está sendo feito.
E isso foi frustrando Ive.
Mas não pense que isso faça dele o herói da história. Seu último grande projeto que se atirou de cabeça foi o primeiro Apple Watch. Ao contrário do que eu imaginava, foi dele a péssima ideia de direcionar o dispositivo como sendo um acessório de moda. Foi dele a péssima ideia de lançar um Watch de ouro maciço.
Os atritos começaram quando o Conselho de Administração pressionou para que o relógio fosse focado mais como sendo uma extensão do iPhone do que um acessório chique.
As vendas no primeiro ano ficaram muito abaixo das expectativas, e milhares de unidades da versão em ouro (que custava a partir de US$10.000) encalharam nos estoques.
Lembrando que quem gastou na época R$86.000 por um relógio desses, hoje não consegue mais nem atualizar para o watchOS 5…
Ive não gostou. Começou a achar que o Conselho estava muito mais preocupado em vendas e dinheiro do que no lado criativo, e aí desanimou de vez. Logo depois, em 2015, ganhou um novo cargo que o permitia ficar bastante tempo na sua terra natal, a Inglaterra. Ali era o início do fim.
Ao mesmo tempo, o peso nas costas dele ficou insustentável. Se ante ele era apenas um fiel escudeiro de Steve Jobs, após a morte do mentor ele teve que assumir toda a responsabilidade do design que é referência no mundo inteiro, inclusive para os concorrentes. Ninguém aguenta.
E agora?
Bem, pelo que contou o WSJ, nos últimos anos o design dos produtos da Apple já não seguiu tanto o comando de Ive, que desde 2015 só diz “Sim, “Não” ou simplesmente não aprova nem desaprova o que a equipe de design faz. Neste balaio, podemos colocar os seguintes produtos:
- iPad Pro 2018
- iPhone X e sucessivos (com o notch)
- 3 tamanhos diferentes de iPhone
- AirPods
- HomePod
- Mac Pro (ralador de queijo)
Isso explica alguns produtos terem sido relançados com design antigo, como é o caso dos últimos iPads 2019 e 2018, o iPad Air 3 e o iPad mini 5.
O que será da Apple com a saída de Ive?
Mais ou menos a mesma coisa que foi nos últimos anos, que já estava sem ele efetivamente. A diferença é que agora, sem a existência de uma referência de peso, é possível que surjam novos talentos que consigam se destacar sem serem ofuscados pelo mito.
Na minha opinião, há grandes chances das coisas melhorarem um pouco e começarmos a ver coisas diferentes a partir dos próximos anos. Pelo menos esta é a nossa torcida.
Mas não esqueçam: não esperem grandes revoluções tecnológicas, pois o cara que não saía do estúdio de design, era obcecado por experiência do usuário e controlava o desenvolvimento de tudo, morreu em 2011.
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