Opinião

Vender iPhone sem carregador é tudo, menos venda casada

Na semana passada eu estava organizando algumas coisas antigas aqui em casa (história real) e achei a caixa do meu velho iPad Air 2.

Sempre gostei de guardar as caixas dos produtos da Apple. Alguns de vocês devem entender bem isso.

Ao abrir, qual não foi a minha surpresa ao descobrir dentro o carregador original, ainda envolto no plástico.

Sim, dos vários aparelhos que eu tive da Apple, eu raramente usei o carregador que vinha na caixa. E isso tinha alguns motivos.

O principal deles é que eu optei desde cedo por usar um único carregador, mais potente, para todos os meus dispositivos (iPhone, iPad, etc). Até porque o carregador que vinha com o iPhone (até o 11) entregava uma carga lenta demais.

O outro motivo é que na hora de revender o aparelho, eu o entregava com o carregador e fones originais novinhos, o que valorizava o produto.

iPhone sem carregador

Talvez por esse hábito de sempre usar um carregador único, eu não fiquei tão impressionado quando a Apple anunciou que não iria mais entregar o carregador na caixa do iPhone.

Afinal, no mundo em que vivemos, é meio sem sentido você ainda precisar de um carregador específico da marca tal, para carregar o aparelho daquela mesma marca.

Os mais antigos lembrarão como eram os primeiros celulares. O fio para carregar vinha com o carregador integrado, sem poder removê-lo. E o conector servia apenas para aquele modelo.

A quantidade de lixo eletrônico que se produziu na época era absurda, porque quando você decidia trocar de celular, aquele cabo não servia mais.

Hoje, graças aos deuses do silício, você pode trocar de celular e até de marca, que seu carregador antigo ainda poderá ser usado.

E essa é uma conquista tecnológica que eu não abro mais mão.

A lambança da Apple

Eu já falei bastante aqui sobre a forma desastrosa que a Apple decidiu não mais fornecer carregadores na caixa.

Resumindo, a produção do iPhone 12 estava ficando cara por causa da adoção de algumas novas tecnologias. E os problemas originados pela pandemia só piorava tudo.

Não tinha jeito, o preço do iPhone teria que ser aumentado, a não ser que se encontrasse uma maneira de eliminar algum custo.

Provavelmente neste momento, algum engenheiro deu a ideia de que, se fosse retirado o carregador e os fones de ouvido da caixa, daria para manter o preço, com uma redução mínima na margem de lucro.

Se ela tivesse nos explicado desse jeito, de que a retirada foi o meio que encontraram para não deixar o iPhone mais caro, é provável que grande parte dos usuários entendesse e achasse até bom alguma coisa estar se fazendo para o preço não aumentar.

Mas em vez disso, a Apple resolveu dizer que a causa era o Meio Ambiente. Usou um argumento nobre para justificar uma decisão puramente comercial.

Aí pronto, o mundo veio abaixo.

As pessoas se perguntavam por que elas tinham que ser prejudicadas por causa de uma luta que não era delas. E o pior: se a intenção era puramente o Meio Ambiente, por que então não REDUZIR O VALOR que custaria o carregador, já que ele não estava sendo entregue?

Tudo errado.

Sempre tive a opinião de que esse foi um dos maiores erros de marketing da nova era da Apple pós-Jobs. Pior até que os Mapas.

Venda casada

Com tanta gente indignada, muitos advogados cresceram o olho para este filão, essa oportunidade de ouro de captar clientes enfurecidos.

Aí criaram um argumento que, na minha visão de leigo, não tem o menor sentido: a Apple estaria fazendo venda casada, pois estava obrigando os consumidores a comprar junto um outro acessório.

Não tem o mínimo sentido. O conceito de venda casada valeria só caso fôssemos obrigados a comprar um acessório único, que só a Apple vende. Mas não é o caso.

Atualmente não tem conector mais universal que o USB-C, adotado por diversos smartphones com Android. O iPhone 12 trazia um cabo USB-C, bastando comprar até um carregador de Android, que funcionava.

Que venda casada que é essa, que ajuda a concorrência a vender acessório? Não tem sentido.

Então, sim, muito advogado encheu os bolsos convencendo seus clientes a alegarem isso. Alguns até ganharam a causa, porque nosso judiciário às vezes é bem complexo. Mas razão mesmo, não teria, não é?

Juízes dizem não existir abuso

Agora, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal emitiu um parecer para acabar com qualquer divergência entre os seus magistrados.

Segundo o TUJ/DF (Turma de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais do Distrito Federal), vender um smartphone sem o carregador não é considerado irregular e nem um abuso contra o consumidor.

[…] A venda de ‘smartphone’ desacompanhado da respectiva fonte de alimentação (conversor ou adaptador de voltagem – carregador), com a devida informação, de forma clara e transparente, não constitui pratica abusiva.

E é claro que não constitui mesmo. Há diversos acessórios e produtos que compramos que vêm sem nenhum carregador. Caixas de som Bluetooth, fones de ouvido sem fio, Kindle e tantos outros. O próprio iPod original vinha sem carregador e ninguém nunca reclamou disso. Então qual seria a razão de só o iPhone ter essa obrigação?

Claro que muita gente vai discordar disso e xingar o judiciário.

— “Que absurdo! Esse país não protege os consumidores!”
“A Apple nos fez de idiota e tem que falir!”
— “Eu não tenho iPhone, mas a Apple tem que falir!

Mas quem faz isso provavelmente está se deixando envolver pelo lado emocional, que não se conforma da Apple o ter privado de receber um carregador de graça na caixa. Mas uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. A sua indignação por sentir que perdeu um direito adquirido não justifica um argumento arbitrário que não faz sentido.

Ficar repetindo o equivocado argumento de venda casada é tão distorcido quanto a Apple dizer que só retirou o carregador “por causa do Meio Ambiente”.

Então, para quem ainda não superou isso (a maioria já seguiu em frente e não liga mais), está na hora de entender que as coisas evoluem e o mundo está em constante mudança.

Então aceite. 🙂

Repito o que eu já disse aqui nesse texto: a Apple errou feio no modo como retirou seus carregadores da caixa e fez seus usuários se sentirem como palhaços. Mas “venda casada” é um péssimo argumento para reagir a isso.

E para os advogados de gostam de ganhar dinheiro com polêmicas, agora terão que esperar por outra oportunidade para conseguirem mais clientes.

Mas do jeito que a Apple anda, talvez isso nem demore muito…

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