Por que o Ministério da Justiça errou ao punir a Apple pela falta do carregador
Esta semana vimos o possível desfecho de uma novela que já vem acontecendo há alguns meses.
A Apple conseguiu na Justiça o direito de vender normalmente seus iPhones no Brasil mesmo sem carregador na caixa.
Muita gente reagiu indignada com a decisão, pois acha que a empresa deveria ser punida por ter retirado o acessório sem diminuir o preço do produto.
Porém, muitas vezes o que a gente acha certo não justifica atitudes abusivas do poder público.
E neste texto tenho a missão de tentar fazer você entender isso.
O erro da Apple
Ninguém aqui vai passar pano para a Apple. O jeito que ela implementou a retirada do carregador foi atrapalhado e equivocado.
Já falamos detalhadamente sobre isso nesse outro artigo:
Então não vou tentar justificar aqui a retirada do carregador da caixa do iPhone. Do jeito que foi feito o consumidor foi prejudicado, e penso que a maioria de nós concorda com isso.
Mas o que eu acho não importa neste momento. A questão que quero discutir é sobre as decisões que alguns órgãos públicos tomaram a respeito disso.
Multas e proibições
Tudo começou há dois anos, em dezembro de 2020, quando o Procon-SP decidiu que a Apple deveria dar o carregador ao cliente que solicitasse.
Mas a empresa americana nem deu bola.
Alguns meses depois, o Procon aplicou uma multa de 10,5 milhões de reais na Apple. Mas o curioso é que, como não há legislação no Brasil que obrigue o carregador vir na caixa, a entidade incluiu outros motivos para punir a maçã.
Mais uma vez, os advogados trataram de fazer com que a multa não fosse concretizada.
Até que em setembro de 2022, na véspera do evento mais importante do ano, uma atitude mais firme foi tomada: o Ministério da Justiça (que é atrelado ao Poder Executivo) suspendeu completamente a venda de iPhones no Brasil. Além disso, pediu a cassação do registro do iPhone a partir do modelo 12.
A Apple continuou vendendo normalmente seus aparelhos no país, mas algumas ações de apreensão de aparelhos foram realizadas em algumas partes do país.
E essa novela parece estar chegando nos últimos capítulos, após um mandado finalmente autorizar a Apple a vender seus aparelhos normalmente. E sem o carregador na caixa.
Abuso de poder
O que é importante considerarmos nessa questão toda é que, independentemente do que eu ou você pensa sobre a decisão da Apple de retirar o carregador da caixa, isso não dá direito a nenhum órgão público de agir de forma abusiva, criando regras que não estão estabelecidas na legislação.
Você pode até ficar feliz de ver a Apple “se ferrar” por ter tirado o carregador da caixa do iPhone que você nem comprou. Mas o fato de você ficar feliz não justifica atitudes arbitrárias e abusivas.
O juiz que emitiu o mandado a favor da Apple justificou sua decisão no fato das atitudes da Senacon e do Procon-SP violarem a imparcialidade.
Ou seja, todas as atitudes restritivas são focadas apenas na Apple, enquanto outras fabricantes continuam vendendo seus smartphones e acessórios sem carregador.
Há, por exemplo, diversas caixas de som, bases de carregamento, fones de ouvido bluetooth e diversos outros acessórios que sempre foram vendidos sem carregador, e a Senacom nunca fez nada contra estes fabricantes.
Qual a razão de só fazer isso agora, com a Apple?
(Lembre-se, não estamos falando aqui se você acha certo ou não vir com o carregador, e sim sobre a decisão abusiva tomada pelos órgãos públicos neste caso).
Em sua decisão, o juiz menciona o artigo 4º da Lei de Liberdade Econômica (nº 12.874 de 2019), que impõe a necessidade de tratamento isonômico por parte da administração econômica.
Ou seja, multas e suspensões deveriam ser aplicados a todo o mercado e não apenas a uma única empresa.
Ele afirma, inclusive, que o fato da Senacom impor restrições apenas à Apple caracteriza abuso de poder por parte do órgão.
Então até segunda ordem, a Apple não pode ser impedida de vender o iPhone em nosso país.
Conclusão
Nada do que foi dito aqui irá impedir de virem dizer nos comentários de que “a Apple comprou o juiz”, ou “tá errado, é venda casada sim”, ou “é um absurdo a Apple tirar o acessório e aumentar o preço”…
O fato é que o que foi julgado foi o comportamento desproporcional dirigido à maçã, enquanto outros fabricantes não sofrem das mesmas punições.
Se você concorda com uma decisão arbitrária só porque ela atende aos seus interesses, não poderá reclamar quando o mesmo tipo de decisão prejudicar você.
Lei é lei e deve ser respeitada sempre. E não há legislação no Brasil que obrigue uma fabricante a vender seu smartphone com carregador. Não há.
Por pior que seja para nós, consumidores.
Então em vez de ficar reclamando em redes sociais sobre o quanto a Apple é tirana e injusta, por que você não escreve para o seu Deputado Federal para que ele proponha uma lei que inclua carregadores dentro da caixa?
Porque enquanto não houver uma lei que force isso, a Apple não tem obrigação nenhuma de lhe dar o carregador.