Opinião

O que melhorou no design da Apple depois da saída de Jony Ive

Outro dia escrevi aqui um artigo sobre o rompimento do contrato da Apple com a empresa de design de Jony Ive.

O objetivo inicial era tranquilizar os usuários dos produtos da maçã de que aquele acontecimento não iria mudar nada nos planos atuais da empresa, pois Jony já não apresentava bons resultados há anos.

Não é a primeira vez que exponho neste veículo meu descontentamento com o designer, principalmente depois da morte de Steve Jobs. É uma opinião pessoal, mas que está em concordância com a de muitos outros.

Um dos leitores não gostou do que leu e chegou a dizer nos comentários que minha opinião era apenas uma “resposta mimada de quem não gostou dele ter saído da empresa”, e disse que o BDI parecia mais um “site de fofocas”.

Achei curioso este tipo de reação dele, principalmente porque todos os seus argumentos para afirmar isso foram desconstruídos por outros leitores nos mesmos comentários.

Mas isso me motivou a aprofundar mais o assunto.

Já que eu não gosto do que Jony apresentou em seus últimos anos de empresa (apesar de reconhecer o valor que ele teve em produtos emblemáticos como o iMac, o iPod e o próprio iPhone), o ideal é eu mostrar na prática como o design dos produtos da Apple melhorou após a saída dele.

Então selecionei alguns exemplos que demonstram como a filosofia da empresa mudou sem o seu comando.

A saída de Jony Ive

Com a saída definitiva de Jony da empresa em junho de 2019, quem assumiu o comando do design industrial de produtos foi a designer Evans Hankey, que mostrou algumas mudanças de filosofia desde o início de sua gestão.

Paul Found, professor de design industrial na University for the Creative Arts em Canterbury, Inglaterra, também notou a mudança:

Desde que Jony Ive saiu, não há mais aquela força gravitacional que conduz a estética antes da função.

Esta sempre foi minha maior reclamação: Jony Ive sempre pareceu dar mais valor à estética do que à função. Isso ficou ainda mais claro quando ele confessou dar mais valor ao processo de criação do que ao produto final.

Dieter Rams, uma das maiores referências do design moderno (inclusive para o Ive) escreveu dez princípios do bom design. Entre eles, “o bom design torna um produto útil”.

Veremos a seguir alguns exemplos de produtos da maçã que não valorizaram este princípio e foram consertados após a saída de Ive.


1. Fim do teclado borboleta

Bastou alguns meses após o anúncio da saída de Jony Ive da empresa para que um novo MacBook Pro fosse lançado.

Uma de suas principais características era a eliminação do famigerado teclado Borboleta e a volta ao mecanismo “tesoura” que era usado antes de 2015.

O mecanismo Borboleta trazia algo para o teclado que era uma das ideias fixas de Jony Ive: a espessura super fina.

O problema do sistema borboleta: seu design acumulava poeira embaixo, impedindo a tecla de funcionar. Um longo processo judicial por parte de centenas de usuários descontentes acabou somente agora em 2022, custando milhões à maçã.

Os mais recentes MacBooks não possuem mais o teclado problemático criado por Jony Ive.


2. A volta da tecla ESC física

Este mesmo MacBook Pro do final de 2019 trouxe de volta a tecla física da função ESC, tão útil em determinadas funções.

Vídeo da Apple, mostrando as novidades do MacBook Pro

Desde a aparição da touch bar, o ESC tinha se transformado em uma tecla virtual, com um lindo design e um visual muito mais moderno e sóbrio.

O problema é que a usabilidade piorou com a mudança. Além de não ter um feedback tátil, ela ainda mudava de lugar dependendo do aplicativo que se estava usando no momento.

Outro claro exemplo da questão estética se sobrepondo àquela prática.

Após a saída de Ive, o design da tecla melhorou, mesmo tendo que retomar um design antigo.


3. Touch Bar subiu no telhado

A Touch Bar, uma fina tela digital que substituiu a fileira dos botões de funções, foi lançada quando Ive era o chefe de design na maçã.

Linda, colorida, interativa. Era impossível não se apaixonar e se impressionar ao vê-la nos vídeos promocionais.

Mas o fato de não apresentar um feedback tátil e as teclas virtuais estarem sempre mudando a cada interação com os aplicativos tornava impossível de usá-la sem precisar olhar para ela.

Isso incomodava muitos usuários que sempre se acostumaram a usar o teclado enquanto seus olhos se fixavam na tela. Com a touch bar, o olhar tinha que ser desviado a todo momento.

Mais um exemplo de design que valorizou a forma acima da função.

Os mais recentes MacBooks começaram a eliminar a touch bar, indicando que mais esta obra prima do design deverá ser definitivamente suplantada em breve pelo sistema clássico e tradicional das teclas físicas.

YouTube video


4. Siri remote remodelado

O primeiro Siri Remote da Apple TV era uma beleza de design.

Todo preto, com poucas teclas de função e visual simétrico, com um botão em vidro sensível ao toque. Lindo. Uma obra prima.

Mas ao usá-lo, era muito comum o usuário se dar conta tardiamente de que segurou o controle de cabeça para baixo, justamente por causa da simetria visual.

Além disso, a parte em vidro era sensível à choques quando o controle caía no chão. E uma conhecida lei da física afirma que controles de TV sempre caem no chão, mais cedo ou mais tarde.

Em 2021 a Apple lançou um controle remodelado, todo em alumínio, que deixa claro qual parte dele segurar.

Novo modelo retoma visual que relembra o controle das primeiras Apple TVs

O botão de seleção também voltou a ser analógico, ideal para ser usado quando a sala está escura, algo comum quando assistimos filmes e séries no sofá de casa.

Uma melhora de design muito bem vinda e aplaudida por grande parte da crítica.


5. MacBook com mais portas (por favor)

Foi na era Jony que foram lançados MacBooks com apenas uma ou duas saídas USB-C e nada mais.

Sim, um único conector para carregar a bateria, ligar um monitor externo ou conectar qualquer outro acessório como um pendrive ou um leitor de cartões.

Tudo porque o design do laptop tinha que ser clean e elegante.

Esse design incrível e belíssimo obrigou os usuários a comprarem adaptadores extras para conseguirem usar as entradas do notebook.

Uma verdadeira obra prima de design.

Mas sem Jony Ive no comando, a Apple voltou atrás e decidiu colocar mais conexões em seus novos MacBooks.

O icônico MagSafe voltou e até as entradas HDMI e leitor de cartões SD estão de volta nos MacBooks Pro de 14” e 16”. Nada mais de sacrificar a usabilidade por causa da forma.

MacBooks Pro de 14″e 16″, com todas as portas que precisamos

6. Design do iPhone

Após a saída de Jony, coincidentemente o iPhone abandonou a tela com bordas curvas que vinha desde o iPhone 6 (2014) e que a tornava suscetível a rachaduras se o aparelho caísse de lado.

O iPhone 12 retomou as linhas retas do iPhone 4, e o abandono da obsessão pela busca eterna de um design ultrafino até permitiu que se conseguisse mais espaço para uma maior bateria no iPhone 13.


Back to the future

É irônico perceber que praticamente todas as mudanças citadas acima na verdade não são novos designs, mas sim a volta ao que era usado no passado.

Mas como diz o princípio 7 de Dieter Rams, “o bom design é duradouro“. Então se voltamos ao antigo e isso é melhor do que tínhamos, é porque o design original era realmente bom.

Ao mesmo tempo que hoje não temos um nome forte no comando criando projetos inovadores e disruptivos como tivemos um dia, esse “retorno às origens” demonstra claramente que o que estava sendo feito nos últimos anos não seguiu por um caminho benéfico para os usuários.

Foi preciso reparar os erros e voltar para o princípio. Recomeçar.

A Apple sempre seguiu a filosofia de “nunca perguntar aos usuários o que eles querem”. Mas isto não significa fazer produtos que dificultem a vida deles.

Um bom design tem que oferecer um resultado não apenas estético, mas funcional também. E nem sou eu quem diz isso e sim o mestre Rams.

E isso não foi o que vimos nos últimos produtos comandados por Jony Ive na Apple.

E para os fãs dele que não gostam quando leem criticas a seu respeito, vai um questionamento (provocativo):

  • Não é peculiar que ele trabalhou na Apple desde 1993, mas só começou a criar produtos realmente inovadores depois que Jobs assumiu o comando (1997)?
  • E não é também peculiar que depois que Jobs se foi, produtos criados na sua gestão tiveram que ter seus designs consertados anos depois?

Hummm… Melhor eu parar por aqui… Tem gente que não gosta que se toque no santo nome de Jony Ive em vão…

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