Caso você não saiba o que é um adware, vamos repetir a definição publicada no Wikipedia: é qualquer programa de computador que executa automaticamente e exibe uma grande quantidade de anúncios sem a permissão do usuário.
Isso é mais comum em aplicativos de Android, cujo sistema é bem mais aberto que “a tirania da Apple“. Também podem ser secretamente instalados em computadores sem o usuário saber, e aí mostram dezenas de janelas com anúncios toda vez que se acessa a internet.
Adwares são um inferno. Interrompem você a todo momento e mostram coisas que você geralmente não está interessado.
A Apple sempre foi contra isso e protegeu bastante os usuários desse incômodo. Porém, um programador de software que trabalha no desenvolvimento do app Tumblr resolveu chamar a atenção do mundo acusando a Apple de transformar o iOS em um grande adware dos serviços da empresa.
Será? É isso que a gente vai analisar nesse artigo.
Não precisamos partir do princípio que a Apple seja inocente. Pelo contrário, vamos ouvir o que disse o desenvolvedor e tentar ver se faz algum sentido.
A denúncia
Steve Streza é programador de software do aplicativo Tumblr. Ele publicou nesta semana um texto em seu blog, em que já no título diz que o iOS se transformou em um grande adware dos serviços da própria Apple.
Ao longo dos anos, a Apple construiu um portfólio de serviços e complementos pelos quais você paga. Ela registrou US$ 12,7 bilhões apenas no primeiro trimestre de 2020, quase um sexto de sua já gigantesca receita trimestral.
Todo esse dinheiro vem das carteiras de 480 milhões de assinantes e seu objetivo é aumentar esse número para 600 milhões este ano. Mas, para fazer isso, a Apple recorreu a táticas insidiosas para atrair essas pessoas: anúncios. Muitos e muitos anúncios nos dispositivos pelos quais você paga. O iOS 13 tem uma abundância de anúncios dos serviços de marketing da Apple, desde o momento em que você o configura e durante toda a experiência. Esses anúncios não podem ser ocultados pelo sistema de extensão do bloqueador de conteúdo do iOS. Alguns podem ser descartados ou ocultados, mas a maioria não pode, e são projetados propositadamente em aplicativos principais, como o Music e a App Store. Existe um termo para descrever o software que possui muitos anúncios irremovíveis: adware, que, infelizmente, se tornou o iOS.
Quem não usa um iPhone ou iPad pode até pensar, ao ler o texto, que o iOS mostra diversas propagandas inadvertidamente durante o uso normal do aparelho.
Streza continua:
Se você não assinar esses serviços, será forçado a ver esses anúncios constantemente, nos aplicativos que você usa ou nas notificações por push que eles ativaram por padrão.
Ele então aponta diversos lugares onde estes “anúncios” aparecem.
No Apple Music:
No Apple TV+:
No Apple News+:
No Wallet:
No Apple Arcade:
Na busca da App Store:
E em notificações do sistema:
Steve conclui o texto dizendo que alguns até podem não parecer anúncios sozinhos, mas quando colocados juntos percebe-se “um quadro de como a Apple está tornando a experiência do usuário significativamente pior para impulsionar o crescimento a todo custo“.
Analisando os argumentos
Após analisar o que ele disse e mostrou, podemos dizer que afirmar que o iOS é um adware é algo tipo… exagerado. Se fosse mesmo, veríamos propagandas da Apple a todo o momento durante o uso do iPhone, como abrir o Safari, o Mail, o Notas, a Bússola e todos os apps nativos. Afinal, é isso que faria um sistema que agisse como adware.
E nada disso acontece nem no iPhone, nem no iPad.
As “propagandas” das quais se refere Streza eu até vejo, mas só quando abro o aplicativo específico do serviço, como por exemplo, o Apple Music, o qual não tenho assinatura. E só vejo quando toco na aba específica ou então quanto tento escutar uma música que não tenho no aparelho. Uso bastante o app Música para escutar as faixas transferidas que eu tenho e nesse caso nunca vi nenhuma propaganda do Apple Music.
Se você abre o app do Apple TV+ e não tem uma assinatura, provavelmente verá na tela um convite para assinar. A mesma coisa para a aba Arcade na App Store. Se tocar nela sem ter uma assinatura, vai dar com a cara na porta e verá um convite para experimentar de graça. Porém, tente abrir a App Store e nunca tocar nessa aba e… SURPRESA! Você provavelmente nunca verá sequer uma propaganda do pacote de jogos.
O desenvolvedor reclama que a publicidade de assinatura aparece quando abrimos o aplicativo ao qual não temos assinatura. Ora, mas se você não acessa aquele aplicativo, não vê a propaganda em nenhum outro lugar!
Agora me diga: por que você iria acessar um aplicativo o qual não possui assinatura? Pra que, Steve?
Pode ser que você queira conhecê-lo e abre para ver o que oferece. Neste caso, você não gostaria de saber como se inscrever nele caso desejasse? Não é normal isso?
Se você abre o app do Netflix sem ter uma assinatura do serviço, não aparece um aviso de que você precisa assinar para ter acesso? Então o Netflix também é um adware?
E caso você não queira mais ver essa “propaganda”, não basta simplesmente não abrir mais o app do Netflix?
No caso do Apple TV, o aplicativo serve também para acessar o conteúdo de outros aplicativos instalados, como é o caso do Globoplay e Amazon Prime. Mas também ele não é essencial e você pode assistir o conteúdo direto no aplicativo original caso não suporte visualizar banners falando do serviço de assinatura da Apple. Se você não usar o app, não verá nenhum outra propaganda do serviço em outra parte do sistema.
Já no aplicativo Wallet, os americanos veem um enorme banner do Apple Card. É, pode ser incômodo se você não estiver nem um pouco interessado em ter o cartão da maçã, mas convenhamos: é um cartão exclusivo do iPhone, não tem outra maneira de consegui-lo. O Wallet é o gerenciador completo do cartão. Então é mais do que normal aparecer sobre ele na primeira vez que se abre o aplicativo. Se você não gostar, basta apertar no X no canto superior e o banner desaparece para sempre. Isso acontece também em adwares?
Quanto às propagandas nas buscas da App Store (recurso este ainda não disponível no Brasil), Streza erra ao incluir isso em um texto que ele acusa a Apple de encher de propagandas de si mesma. Isso porque este é um recurso que ela oferece desde 2016 para os próprios desenvolvedores promoverem seus aplicativos. Ele pode até não gostar de ver essas propagandas na App Store (como eu também não gosto), mas aí é um outro contexto e não faz o iOS um adware por causa disso.
Se há um único ponto que eu dou certa razão ao Streza é a respeito das notificações não solicitadas.
Isso porque eu mesmo já publiquei um texto aqui no blog falando disso, em 2014. Na época, a Apple tinha enviado pela primeira vez em sua história uma notificação por push para divulgar a campanha RED contra a AIDS.
Isso criou uma grande polêmica e lembro de ter achado um pouco exagerado, porque não era algo que a Apple fazia sempre. Foi um único caso.
Porém, ultimamente ela voltou a fazer isso, agora falando dos próprios serviços. Isso realmente destoa completamente das regras que ela mesma estabeleceu na App Store:
5.6. Apps não podem usar notificações instantâneas para enviar publicidade, promoções ou marketing direto de qualquer tipo.
Fazer o que ela proíbe para os outros é algo bastante questionável e aí merece mesmo ser criticada por isso. É chato, e se eu ainda não assinei o serviço talvez seja porque eu não o queira. Não precisa ficar me lembrando sempre disso.
Porém, ao contrário de qualquer adware existente no mundo, eu posso desativar as notificações do aplicativo em questão e nunca mais receber essa mensagem. Então, foi exagero também citar este ponto, neste contexto.
O Steve Streza resolveu chamar o iOS de adware porque, segundo palavras dele, “é um software que possui muitos anúncios irremovíveis“. Mas acima vimos que isso é mentira, porque o banner do Wallet pode ser facilmente removível, e os aplicativos específicos só mostram dentro deles, não fora, sendo que estes apps podem sim ser apagados, caso você fique tão incomodado assim com isso. Até mesmo as notificações push podem ser desligadas direto na Central de Notificações. Qualquer uma pode, faz tempo.
Então não há sentido algum afirmar que o iOS seja um adware.
A não ser, claro, que você queira aparecer. E pelo jeito ele conseguiu.