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Napoleão: A história de um francês contada por um britânico

Eu esperei o filme Napoleão ser lançado no Apple TV+ para assisti-lo, apesar de sua estreia nos cinemas ter ocorrido em novembro.

Primeiro, porque é uma produção da Apple que só foi exibida em salas de cinema para se enquadrar em algumas regras do Oscar®. Segundo, porque visto que eu sou usuário do streaming da maçã, não tinha porque pagar a mais para ver no cinema.

Dizem que quem ganha a guerra tem direito a contar a sua versão da história. Pois o filme é justamente isso, uma versão inglesa de uma figura francesa. Diria até uma das mais importantes figuras francesas da história.

O filme recebeu críticas positivas no Reino Unido, mas os jornais franceses foram menos generosos. E eu até entendo o porquê.

Pretendo comentar aqui sobre minhas impressões do filme, e se você não assistiu ainda, saiba que pode conter spoilers.

Faltou contar a história toda

Como alguém fascinado tanto pela história quanto pelo cinema, aguardei com expectativa este filme que prometia ser uma jornada épica pela vida de uma das figuras mais emblemáticas da história francesa.

No entanto, após mais de duas horas de filme, fiquei com um gostinho amargo na boca de quem comeu um doce que não estava tão bom quanto se imaginava.

Confesso que eu esperava uma história muito mais profunda de uma figura tão importante, que influenciou inclusive a história brasileira.

Gastou se tempo demais para contar sobre a relação com sua esposa

O filme aborda a vida de Napoleão Bonaparte, desde sua ascensão até sua queda, com um foco particular em sua relação com Joséphine, interpretada de forma cativante por Vanessa Kirby.

A dinâmica entre Phoenix e Kirby é, sem dúvida, um dos pontos altos do filme, oferecendo momentos de profundidade emocional que destacam a complexidade dos personagens históricos que retratam.

No entanto, “Napoleão” luta para manter um equilíbrio entre a grandiosidade das batalhas épicas e a intimidade dos dramas pessoais.

A narrativa, em sua tentativa de abarcar a vastidão da vida de Napoleão, muitas vezes parece apressada, deixando pouco espaço para o desenvolvimento profundo de personagens ou para a exploração das nuances políticas e emocionais que definiram a era napoleônica.

Um ponto que me chamou a atenção durante o filme foi o salto que deram de 1799 para 1804, ano da coroação, sem explicar o que tinha acontecido nesse meio tempo.

Essa escolha narrativa resulta em um filme que, embora visualmente impressionante, carece da profundidade necessária para compreender plenamente o legado de Napoleão.

Os franceses não gostaram

A crítica francesa foi particularmente dura com o filme, destacando uma série de problemas que vão desde a representação das batalhas até a caracterização histórica dos personagens principais.

Essas críticas apontam para uma desconexão entre a visão do diretor Ridley Scott e as expectativas de um público que busca um retrato mais fiel e matizado de Napoleão.

O crítico Xavier Leherpeur expressa uma visão particularmente crítica, descrevendo o filme como “abismalmente vazio”, apontando para o uso excessivo de câmera lenta que, em sua visão, dilata artificialmente a duração do filme sem contribuir significativamente para o conteúdo ou a construção do personagem histórico.

De fato, as longas cenas de batalhas acabam tomando um tempo que poderia ser usado para se aprofundar melhor na história das batalhas napoleônicas.

Ariane Allard, do site Causette, lamenta um Napoleão retratado como tedioso e desprovido de energia, criticando a escolha de casting por apresentar um Napoleão mais velho e fatigado em contraste com o jovem general de 24 anos que liderou o Cerco de Toulon em 1793.

Allard argumenta que o filme falha em capturar o dinamismo e o brilho estratégico de Napoleão, resultando em uma representação que carece de visão e profundidade.

Eric Neuhoff, do Le Figaro, oferece uma crítica irônica, descrevendo o filme como “interminable” (interminável) e lamentando a falta de inteligência e exploração eficaz das batalhas e do legado histórico de Napoleão.

Neuhoff destaca a interpretação limitada de Phoenix e sugere que o filme é marcado por imprecisões históricas e uma narrativa desconexa.

Eva Bettan, crítica da Rádio France Inter, ecoa sentimentos de desapontamento, criticando a estrutura narrativa do filme como desarticulada e falha em fornecer uma visão histórica coerente ou qualquer forma de dramaturgia envolvente.

Bettan ressalta a sensação de tédio ao assistir ao filme, indicando uma falta de coesão e propósito na sua montagem.

Mas por que eu me preocupei em saber a visão dos franceses, que naturalmente são críticos com tudo o que não é francês?

O filme não mostra o tamanho de Napoleão

A impressão que o filme dá é que Napoleão foi apenas mais um general fascinado por batalhas, e só isso, sem grandes propósitos.

Ele é um personagem histórico e fiquei com a impressão de que não vi a história dele contada por completo.

Não que eu seja fã de um imperador que se deixou levar pelo ego e, a certo ponto da história, insistiu em jogar seus homens para a morte por não admitir que poderia perder.

Mas qualquer um que visite Paris hoje percebe que a presença do imperador corsa existe até hoje, seja nas letras “N” das pontes sobre o Siena, seja em sua tumba em um dos monumentos mais importantes da Cidade Luz, o Palácio Nacional Les Invalides.

O que Napoleão fez mudou a história de vários países, inclusive a do Brasil.

O Bloqueio Continental implementado por Napoleão Bonaparte (e apenas citado en passant no filme) tinha como objetivo enfraquecer o Reino Unido, impedindo que os países europeus comercializassem com ele. Portugal, que tinha laços históricos e econômicos estreitos com a Inglaterra, viu-se numa posição delicada, pressionado tanto pela França quanto pelo Reino Unido​​​​.

A recusa de Portugal em aderir plenamente ao Bloqueio Continental levou Napoleão a planejar a invasão do país. Diante dessa ameaça iminente, e para evitar a captura da família real pelas tropas francesas, D. João VI, então príncipe regente de Portugal, decidiu transferir a corte portuguesa para o Brasil em 1807 (com a efetiva chegada em janeiro de 1808).

Esta decisão marcou uma virada histórica tanto para o Brasil quanto para Portugal, resultando em uma série de transformações sociais, econômicas e culturais no Brasil​​.

Várias instituições foram criadas ou transferidas de Portugal para o Brasil, como a Impressão Régia, o Banco do Brasil, a Biblioteca Nacional, entre outras. Estas ações aceleraram o desenvolvimento urbano, econômico e cultural do nosso país, que se tornou independente anos depois, em 1822​​​​.

Claro que nunca esperei que o filme citasse o Brasil. Porém, o que eu esperava era ver mais sobre o lado militar de Napoleão, que era o seu ponto forte, a razão dele ter virado um personagem histórico. Até mesmo o filme Gladiador (do mesmo diretor) mostra mais o lado militar e estratégico do personagem Maximus, sem ignorar o lado pessoal de sua história.

Não esta não é uma cena do filme Gladiador

Sou obrigado a concordar com a crítica francesa que apontou que o filme mostrou um Napoleão velho desde o começo, sem o vigor e fome de batalha que tinha o real personagem. O mesmo Phoenix de 49 anos interpreta sem alterações de maquiagem um Napoleão de 24 anos, até sua morte, com 51.

Conclusão

Embora o filme capture certos aspectos da grandiosidade de Napoleão Bonaparte, deixa a desejar em sua capacidade de oferecer uma compreensão profunda do homem por trás do mito.

Você deve assistir mesmo assim? Sem dúvida. Não deixa de ser um épico com belas cenas e boa interpretação dos atores. Inclusive, depois de assistir, pode vir aqui comentar o que você achou e se concorda com as críticas expressas aqui. 😉

Por ser fã também do filme Gladiador, foi difícil em certas cenas não enxergar o personagem Commodus. Aliás, não gostei da interpretação do Phoenix no Gladiador, mas isso é assunto para outro review.

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