Apple vasculha e-mails do iCloud em busca de crimes. Isso é bom?
Um dos pontos fortes das campanhas da Apple nos últimos anos foi o foco em privacidade.
Tanto as peças publicitárias quanto os próprios executivos nunca perderam uma oportunidade sequer para cutucar a concorrência, insinuando que serviços como Google e Amazon constantemente leem o conteúdo de nossos e-mails e fotos, para alimentar o Big Data da publicidade.
Com a Apple, isso não acontece. Pelo menos é o que ela sempre nos fez acreditar.
Mas a recente notícia de que a empresa da maçã na verdade bisbilhota sim os e-mails do iCloud a procura de imagens relacionadas à pedofilia é algo que faz cair por terra todo o discurso que ela mesma pregou durante anos.
Devemos nos preocupar com isso?
Claro que a pedofilia é algo sério e obviamente deve ser combatida com todas as forças possíveis. Absolutamente isso não está em discussão aqui.
Porém, o fato de uma empresa bisbilhotar o conteúdo de todos os nossos e-mails é bem preocupante, principalmente quando ela mesma cria o mito de que isso não acontece.
Por que?
Porque nada garante que, em algum momento, este tipo de prática não será usado para fornecer outras informações do usuário. Nada garante que algum estado autoritário não irá exigir da Apple que ela se adeque às “legislações vigentes do país”. Aliás, essa é a desculpa dada já hoje quando a empresa veta algumas liberdades de expressão na App Store chinesa.
É muito fácil governos usarem de “artifícios” para classificar de crime tudo o que vai contra sua vontade. E tendo a possibilidade de vigiar o que todo o cidadão envia e recebe, isso se transforma em uma ferramenta de controle enorme.
Por essa razão, é muito perigoso a Apple criar este tipo de instrumentalização, por mais nobres que sejam suas intenções.
Criminosos sempre encontram maneiras alternativas de continuar cometendo seus crimes. Porém, o usuário honesto e comum, como nós, acaba vulnerável a este tipo de “porta de entrada” criada pela empresa.
O que pode ser bisbilhotado
A Apple informa que os e-mails do iCloud armazenados nos servidores não são criptografados, o que permite que a empresa consiga analisar se há algum material de cunho criminoso. Porém, o mesmo não acontece com o backup do iCloud, que é criptografado.
Mensagens do iMessage também possuem criptografia de ponta a ponta, o que impede que intermediários consigam ter acesso às mensagens.
Ou seja, se você não usa o e-mail do iCloud, teoricamente não precisa se preocupar com a empresa bisbilhotando em seus e-mails.
O grande problema é saber do fato que a Apple vasculha o iCloud desde 2019, sem nunca ter sido clara sobre isso. Ela hoje não nega nada disso, porém é algo que pode abalar a confiança que temos na empresa, quando ela prega, com tanto afinco, uma bandeira de respeito à privacidade.
A polêmica está lançada.