A polêmica Facebook/Cambridge Analytica e a privacidade dos usuários
Nos últimos dias, a rede social de Mark Zuckerberg está enfrentando uma enorme polêmica nos Estados Unidos, se espalhando pelo mundo inteiro.
Isso porque uma empresa de marketing político conseguiu utilizar os dados de dezenas de milhões de usuários coletados pelo Facebook, o que colocou em questão o próprio modelo de negócios da rede social.
Tudo isso gira em torno do termo privacidade, uma bandeira que a Apple vem levantando há alguns anos e que agora começa a mostrar sua real importância.
O escândalo
Tudo começou com uma investigação independente feita pelos jornais The New York Times e The Observer, que descobriram que uma empresa de dados analíticos (que presta serviços para organizações políticas e empresas, tendo como cliente a equipe de Donald Trump nas eleições passadas) obteve acesso fácil aos dados de mais de 50 milhões de usuários da rede.
O grande problema é que esta obtenção de dados não foi fruto de hackers ou vazamentos ilícitos: foi o próprio Facebook quem forneceu tudo, pois é assim que funciona sua política de privacidade com seus parceiros.
A tal empresa, a Cambridge Analytica, foi criada em 2013 e atua como um serviço de análise de dados para fins comerciais e políticos. A sede fica em Londres, mas a empresa tem escritórios nos Estados Unidos, Malásia e Brasil.
Através de um simples jogo do Facebook (um quiz), um acadêmico conseguiu coletar informações dos usuários como identidade, localização e gostos, revendendo estes dados posteriormente para a Cambridge Analytica. Os usuários deram permissão para o jogo coletar as informações, sem imaginar que ela seria usada para outros fins.
E o pior: não foram coletados apenas os dados dos usuários, mas também os dos amigos dos usuários, sem eles nem saberem disso.
Com o escândalo vindo a tona, as ações do Facebook despencaram e a empresa já perdeu mais de US$50 bilhões em valor de mercado.
Atualmente uma campanha nas redes sociais com a hashtag #DeleteFacebook está ganhando cada vez mais adeptos, pregando que as pessoas apaguem sua conta na rede social.
Mas qual é o real problema?
Vamos ser francos: nada disso que está sendo revelado é realmente uma novidade.
Não é de hoje que muitos de nós sabe que serviços como Facebook e Google absorvem o máximo de informações que podem de seus usuários, para venderem para outras empresas ou usá-las para gerar publicidade.
“Quando o serviço é gratuito, o produto é você.”
O Facebook até tem uma política que proíbe seus parceiros de repassar as informações coletadas para terceiros, mas o fato é que é impossível controlar isso.
E mesmo que o responsável pelo quiz tenha sido expulso do Facebook após se descobrir que ele vendeu os dados para a Cambridge Analityca, a plataforma permitiu que estes dados fossem coletados, e isso não tem mais volta. O modelo do Facebook deixa exposto os dados de milhões de usuários.
E se você é daqueles que diz “eu não me importo que coletem meus dados, eu não tenho nada para esconder“, entenda que a questão é muito maior do que você imagina.
Nenhuma empresa ou movimento político quer saber o que você comeu de manhã ou se seu cachorro é de fato tão fofo quanto você diz ser.
Porém, o algoritmo do Facebook (e também de outras redes sociais) é capaz de traçar suas preferências e gostos sem você precisar informar explicitamente isso.
Basta apenas uma dezena de curtidas que você dê em alguns posts para traçar com grande precisão as suas características pessoais.
E por que isso é tão importante?
Bem, essas informações nas mãos de especialistas podem, inclusive, determinar o resultado de uma eleição.
Quem já assistiu a série House of Cards (da Netflix) viu que um dos artifícios de Frank Underwood foi utilizar um serviço de espionagem capaz de saber o que grupos de eleitores pensavam e comentavam em diferentes regiões do país, o que permitiu a ele enquadrar o seu discurso exatamente na preferência destes eleitores, que por afinidade (artificial) acabaram votando nele.
E quem conhece o Frank sabe que ele não estava nem aí para o bem estar dos eleitores, só queria o voto deles.
Saber exatamente o que você pensa possibilita lhe direcionar informações que você digira melhor, manipulando-as para te enquadrar no que eles querem que você se enquadre.
Você então acaba formando opiniões baseadas em fatos distorcidos, sem nem se dar conta que está pensando exatamente da forma como eles querem.
E no Brasil o terreno para isso é ainda mais fértil. A atual polarização está fazendo com que pessoas não queiram ouvir opiniões contrárias às delas, o que faz com quem siga uma linha de direita apague ou bloqueie amigos que possuam posições de esquerda, e vice-versa.
E dentro desses nichos ideológicos, qualquer informação distorcida a favor da própria ideologia vira uma verdade absoluta compartilhada ad nauseam sem conferir a veracidade.
Não tenham dúvida que este tipo de artifício será amplamente usado nas eleições presidenciais deste ano no Brasil. A própria Cambridge Analytica tem filial no nosso país e certamente já está sendo contratada por partidos, para usar todas as informações coletadas em redes sociais e manipular grupos específicos.
Seja de esquerda ou de direita.
A Apple e a privacidade
A bandeira da Apple que prega que a privacidade do usuário deve ser preservada e respeitada ficou evidente na sua briga pública contra o FBI, há dois anos. Porém, esta preocupação já vem de bem antes.
Quando a Apple introduziu um sistema de assinaturas de revistas no iOS, muitas editoras foram contra e protestaram pelo fato da maçã se recusar a repassar os dados pessoais dos assinantes.
Achavam um absurdo não terem mais o e-mail e endereço dos usuários para enviarem SPAM ou revenderem para empresas de marketing (como acontece com editoras brasileiras).
A Apple não precisa repassar (ou vender) os dados de seus usuários porque seu modelo de negócios não depende disso.
Seus caros dispositivos na verdade garantem que seus serviços sejam independentes e não precisem se sustentar através da venda de informações ou de publicidade.
Google, Facebook, Spotify e alguns outros serviços oferecem seus serviços de graça, porém em troca eles absorvem o máximo de informações possíveis dos usuários, pois sabem que isso vale ouro.
“Não existe almoço grátis”.
O usuário da Apple tem a tranquilidade de colocar suas fotos no iCloud sem se preocupar que elas estejam sendo analisadas para coletar informações suas que permitam que um anúncio adequado a você apareça quando você abrir uma página de internet.
Ele sabe que suas playlists no Apple Music não estão sendo analisadas, nem seus e-mails (do @icloud.com) estão sendo lidos para direcionamento de publicidade.
Desde o iOS 10, a Apple está investindo no que chama de Privacidade Diferencial, que é uma forma de não associar os dados às pessoas individuais (leia mais: O que é a Privacidade Diferencial adotada pela Apple no iOS 10).
Os próprios aplicativos possuem limites bem rígidos quanto ao que os desenvolvedores podem obter de informações sobre o usuário e todas elas devem ser especificamente autorizadas pelo usuário.
Mas isso só é possível porque os lucros da Apple são obtidos nos dispositivos, que a fazem ser uma das empresas mais ricas do mundo. Em consequência, ela não precisa se sustentar vendendo as informações dos usuários.
Aí eu te pergunto: como o Google consegue oferecer um sistema operacional (Android) de graça para os fabricantes de smartphones?
Como ele ganha dinheiro oferecendo um endereço e-mail de graça para você, ou permitindo que você armazene infinitamente suas fotos, sem pagar um tostão?
Como ele consegue fazer tudo isso e ainda ser uma das maiores empresas tecnológicas do mundo?
Eu sei que você também sabe a resposta.
Dê importância à sua privacidade
Com certeza haverá quem continue sem dar importância aos seus dados pessoais, achando que “sou muito pequeno para eles se preocuparem comigo“.
Mas o fato é que a manipulação da sociedade é algo que influencia sim diretamente na sua vida, sem você nem se dar conta.
Há quem afirme que “hoje em dia não tem como fugir, se você está online sua vida está exposta“. É verdade que a maioria dos serviços realmente usa e abusa de seus dados, para benefício próprio. Porém, se ficarmos calados e apenas aceitarmos isso, nada nunca irá mudar.
Claro que não é algo fácil. Ser o único de seus amigos a não usar o Facebook ou o WhatsApp provavelmente fará com que as pessoas lhe vejam como o chato paranóico esquisito que quer se isolar do mundo.
Você tem até o direito de desconfiar também da Apple, achando que nem ela é a santa que prega ser, e isso é válido, pois desconfiar significa que você pensa. E isso é bom.
Sinceramente eu não sei qual é a saída, mas alguma coisa tem que ser feita. Apagar a sua conta do Facebook pode ser um bom começo.