O erro estratégico que fez a maçã perder a marca Apple Music
Charles Bertini, organizador do festival "Apple Jazz", conquista vitória em disputa com a gigante de tecnologia
A Apple tem uma obsessão boba de querer processar todo mundo que tenha uma marca parecida com a dela (ou até mesmo que lembre de longe). Outro dia mesmo correu a notícia de que ela estava querendo processar uma centenária loja de frutas na Suíça por causa do logotipo de maçã.
Mas agora, essa obsessão acabou se revelando um tiro no pé.
Ao tentar na justiça impedir que o festival “Apple Jazz” mantivesse esse nome, a empresa acabou perdendo, e isso fez com que também o direito da marca “Apple Music” fosse negado.
Uma história de disputas judiciais
Para compreender os detalhes dessa questão, é necessário voltar no tempo.
A Apple Records foi fundada em 1968 por uma pequena banda no interior da Inglaterra. Eles se chamavam The Beatles. Não sei se você já ouviu falar deles antes.
Eles criaram a gravadora para lançar sua música e o trabalho de outros artistas.
Quase uma década depois (1976), a Apple Computers era fundada por Steve Jobs, Steve Wozniak e Ronald Wayne para produzir e comercializar computadores pessoais.
Em 1978, a Apple Corps (a holding proprietária da Apple Records) entrou com uma ação contra a empresa de Cupertino por violação de marca registrada. Isso durou até 1981, quando a acusada pagou uma indenização e um acordo foi selado: a Apple Computers não entraria no ramo da música e nem a Apple Recordes no ramo de computadores.
A coisa voltou aos tribunais várias vezes depois, cada vez que a Apple Computers incluía algo relativo a multimídia em seus computadores. Inclusive ficou clássica a história de um dos sons de alerta do Mac chamado Sosumi, cuja fonética parece significar em inglês “Então me processe“.
A história mudou quando a empresa dos Beatles voltou a processar a Apple em 2003, no lançamento da iTunes Store, em que o principal produto da loja virtual era… música.
Esse processo durou até 2006, com vitória da empresa de Steve Jobs.
Após anos de disputas, a Apple Inc. finalmente adquiriu a marca Apple em 2011, concedendo à Apple Corps uma licença para o uso de seu logotipo e para a classe 9, que inclui “dispositivos de gravação de som” e “meios de gravação digital“.
Erro técnico
Depois de expandir sua marca na maioria das classes disponíveis, a Apple desejava adicionar a marca “Apple Music” logo após o lançamento do serviço em 2015.
O problema é que existia um festival de música chamado “Apple Jazz“, que acontecia em Nova York. E deixar este nome existir poderia ser um risco para os planos da maçã no futuro.
Embora Charlie Bertini detivesse a marca “Apple Jazz” no estado de Nova York desde 1985, a empresa de Cupertino possuía uma marca federal e poderia se apoiar na anterioridade do registro dos Beatles.
O pedido de oposição feito pelo músico inicialmente foi rejeitado pela Comissão de Marcas. No entanto, de acordo com a Corte de Apelação dos Estados Unidos para o circuito federal, houve um erro, enfatizando a importância das classes.
Como a marca dos Beatles cobria apenas gravações musicais, a Apple não poderia alegar que também abrange concertos, pois “ninguém pode razoavelmente concluir que gravações musicais são substancialmente idênticas a concertos“.
Os juízes rejeitaram veementemente as alegações baseadas na anterioridade da marca registrada pela Apple Corps.
Com isso, todos os argumentos que a Apple tinha para registrar a marca “Apple Music” para shows e espetáculos, caíram, impedindo que ela registre como dela.
“Achamos que a Apple não pode adicionar seu uso da APPLE MUSIC para apresentações musicais ao vivo ao uso da APPLE pela Apple Corps para discos de gramofone e que seu pedido de registro da APPLE MUSIC deve, portanto, ser negado.”
Esse erro dos advogados foi brutal, pois quiseram brigar com um festival cuja última edição foi em 2014. O resultado saiu pela culatra, com a perda da marca APPLE MUSIC.
Claro que essa batalha judicial provavelmente está longe de terminar. Mas é um exemplo de como essa obsessão da Apple pela defesa de sua marca às vezes pode ser exagerada.
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