Com o importante resultado do julgamento de patentes entre Apple e Samsung, o mundo todo está debatendo sobre o conceito de propriedade intelectual. Copiar a ideia de outro é justo? E proibir isto não emperra o desenvolvimento tecnológico?
É sobre isso que procuraremos debater neste artigo.
Aqui mesmo no Blog, o assunto despertou discussões acirradas sobre o tema. Enquanto alguns defenderam que apenas copiar outra empresa não leva a evolução nenhuma, outros temem que patentear um simples gesto pode comprometer o desenvolvimento de toda a indústria.
A opinião muitas vezes é baseada na própria experiência do usuário. Quem nunca criou nada, só consumiu, geralmente só quer saber de ter o produto pronto, na sua mão, independente de quem o criou. Por exemplo, quem tem um Android, quer muito que um scroll mais suave apareça também no seu celular, assim como usuários de iPhone adoraram quando puderam contar com uma barra de notificações mais discretas e inteligentes. É normal o usuário comum não estar nem aí para a briga nos tribunais; o que querem é usar o produto e basta.
Tem sentido, mas na vida prática, isso torna-se inviável em certo ponto, por não ser sustentável.
Quem produz ou já produziu algo sabe como é horrível quando você leva horas ou dias para criar algo legal e alguém vai lá e copia a sua ideia, em poucos minutos. Isso vale tanto para engenheiros industriais quanto para escritores de livros ou editores de blogs. Só quem passou por isso sabe a raiva que dá.
Um blog que copia artigos do Blog do iPhone traz alguma evolução? Adiciona vantagens para a comunidade? E é justo outro site ganhar dinheiro com anúncios usando o texto de outra pessoa?
Infelizmente, a cultura atual é que “se está na internet, é público e gratuito“. Isto é uma distorção das coisas que causa a estagnação da produção.
Como vivemos em um mundo capitalista, é o dinheiro que move a nossa evolução. O iPad só foi lançado por causa do sucesso do iPhone (e os lucros que isso rendeu). E o próprio iPhone só pode ser lançado porque o iPod antes garantiu uma estabilidade financeira para a Apple, que pode investir em um departamento de pesquisa que fez dezenas de protótipos. Fazer protótipos não é nada barato; há custos de produção e é preciso pagar bem os profissionais que ficam trancados dias inteiros nos laboratórios, estudando a melhor forma de usar um produto.
O iPhone poderia ter sido assim, se não fossem os incansáveis testes prévios
Como você acha que são criados os remédios que curam doenças? Acha que os governos incentivam a pesquisa ou que cientistas trabalham de graça? Não, a realidade não é tão ingênua assim. Na indústria farmacêutica, é o dinheiro que banca as pesquisas para descoberta de novos remédios e novas curas para doenças. E são as patentes de exclusividade que incentivam esta mesma indústria a continuar pesquisando. Se eliminassem o direito de patentes pela descoberta de novas fórmulas, a indústria quebraria e não investiria mais em pesquisa, retardando a evolução nos remédios.
Leia com atenção: a intenção aqui não é defender a indústria farmacêutica e a quantidade desproporcional de dinheiro que ela ganha todos os anos, mas sim tentar explicar como o mundo funciona hoje. Para mudarmos isso, teríamos que mudar todo o sistema capitalista.
Resumindo: hoje em dia, quem sustenta a evolução tecnológica é o dinheiro.
Voltando à nossa área tecnológica, é no investimento em departamento de pesquisas que surgem descobertas novas que fazem evoluir a indústria.
Tablets existem no mercado desde o início dos anos 2000, incentivados fortemente pela Microsoft, que sempre investiu nisso. Mas não se tornaram populares, porque a forma de usá-los era complicada. Se a Apple tivesse apenas copiado a ideia e lançado o produto como ele era, continuaria não fazendo sucesso, mesmo com uma maçãzinha atrás. Foi justamente a sua equipe de pesquisas que pegou a ideia e tentou fazê-la evoluir, transformando em algo que fosse realmente mais prático para o usuário, seja uma criança ou alguém de mais idade.
Dá para entender o conceito? Só copiar uma ideia, não leva ninguém a lugar nenhum. Fazê-la evoluir é o que contribui realmente para o mercado.
Ninguém aqui, por mais fã da Samsung ou odiador da Apple que seja, pode afirmar que as cópias feitas pela coreana fizeram evoluir o mercado. Copiar a caixa do iPhone não traz nenhuma contribuição para a indústria, apenas para aquele usuário que queria muito ter a sensação de abrir uma caixa de iPhone, mas não teve dinheiro para comprar um (de novo, é o dinheiro envolvido).
Veja o caso com certa distância: uma empresa paga profissionais que passam meses entre rascunhos e protótipos para chegar a uma embalagem ideal, com detalhes que impressionam o cliente desde o início. Aí o concorrente não paga nada para nenhuma equipe de pesquisas, e leva dois dias para construir uma caixa igual. É justo?
O recado que a indústria dá hoje é que roubar ideias é o caminho.
Repito: o recado que a indústria dá hoje é que roubar ideias é o caminho. E isso está matando empresas originais e autênticas, como Nokia, RIM (BlackBerry) e até mesmo Microsoft na área de celulares.
Basta analisar o atual mercado de smartphones. A Samsung copiou sem pudor a linha criativa da Apple, enquanto outras empresas resolveram não copiar, seguindo um caminho próprio.
Muitas vezes, sistemas bons são descontinuados porque o consumidor não teve a oportunidade de o conhecer direito. O WebOS é um exemplo disso: ele morreu porque as pessoas nem chegaram a conhecê-lo; era muito mais fácil e barato comprar um aparelho com o sistema parecido com o do iPhone: o Android.
Se ninguém fizesse simples cópias de ninguém, o mercado apresentaria alternativas: se eu gostei do iPhone, mas não tenho dinheiro para comprá-lo, iria escolher outra marca e ficaria conhecendo a proposta que ela tem para apresentar. Quem sabe, poderia encontrar coisas melhores que não tem no iPhone e aprender maneiras diferentes de usar o celular. Mas se você parar um pouco para pensar, não é o que acontece hoje no mercado.
Quem não tem dinheiro para comprar um iPhone, vai procurar um parecido, porque existem marcas que possibilitam isso, com cópias.
A Samsung faz de tudo para que a experiência de uso dos seus smartphones seja a mais próxima da que tem um usuário de iPhone. Tudo isso, sem investir muito em departamento de pesquisas, só copiando ideias. Afinal, grandes artistas roubam, não é?
Pois é, mas essa filosofia de cópia está matando a indústria. Hoje, Apple e Samsung detêm 99% do lucro de todo o mercado mobile (fonte), enquanto monstros históricos do ramo estão apresentando prejuízos enormes a cada trimestre. Caso você não tenha se impressionado, 99% é muita coisa.
Mas isso quer dizer o que? Que Apple e Samsung são as melhores do mercado? São as que mais inovam?
Eu acredito que, se a Samsung não tivesse copiado o “look and feel” do iPhone, ela não teria nem um décimo deste mercado, e a alternativa ao iPhone não seriam as cópias, mas sim outros sistemas, que cresceriam e criariam uma outra cultura.
O monopólio da “cultura iPhone” não está sendo criado pela Apple, mas sim pela Samsung e o Android.
Hoje, a Samsung e o Android ajudaram a reforçar a “cultura iPhone” nos smartphones ao tentar copiá-lo. O resultado disso é que o aparelho que não tiver esta cultura, é desprezado. Acredite, o monopólio do “estilo Apple” que muitos reclamam foi criado, ironicamente, pela Samsung e pelo Android.
A Samsung criou a seguinte situação no mercado: quem não copia o iPhone, morre.
Até que ponto é justo ver empresas que investem milhões em pesquisa e desenvolvimento verem seus resultados financeiros cair, só porque o consumidor tem a alternativa de comprar um celular “tipo iPhone, mas com fio” de outra empresa que investiu muito menos?
Como que esta cópia pode ser considerada evolução?
Qual empresa vai querer investir em pesquisas de novos recursos, se é muito mais fácil copiar de outro? Vale a pena investir milhões para desenvolver uma coisa que seu concorrente levará dois dias para copiar e vender também, mais barato?
O consumidor que só quer usar o recurso, sem se importar com quem o criou, desconhece que este tipo de prática prejudica fortemente o mercado e nos leva a um quadro de mesmice e pouca evolução.
Por isso é tão importante defendermos a propriedade intelectual. Não seja limitado em pensar que se uma coisa foi criada, ela pertence a todo mundo. Não é assim que nosso sistema atual funciona e isso só quebraria a estrutura industrial atual, seja para iPhones, para remédios ou para refrigerantes. Se você pensa realmente que ideias devem ser democratizadas e compartilhadas para o bem geral de todos, lute para que não vivamos mais em um sistema capitalista, onde o dinheiro é que financia o progresso.
Enquanto for o capital que reger nossa sociedade, é assim que as coisas funcionam.
Sistema de patentes falho
Sim, este texto defendeu até aqui que a propriedade intelectual é importante para a evolução do mercado. Ninguém investe milhões em pesquisa se isso irá beneficiar o concorrente que copiará em dois dias o que você levou um ano para desenvolver.
Mas é justo a Apple patentear um movimento de dedos como propriedade sua?
Bem, se ela implementou primeiro nos seus produtos, ela tem direito de tirar vantagens da sua criação, pelo menos por algum tempo. É isso que incentiva as empresas a criar e lançar novas coisas, é o proveito que elas podem tirar daquilo. Há ideias muito legais que surgem, mas que ficam engavetadas esperando o momento certo, pois há o medo que sejam copiadas e a concorrência tirar vantagem delas.
O que talvez seja errado é este comércio paralelo de patentes que se criou. E acredite: a Apple foi uma das empresas que mais sofreu com isso, no passado.
Quando o iPod começou a fazer sucesso, a Apple perdeu muito dinheiro em processos de patentes de pessoas que tinham imaginado a mesma coisa, sem nunca ter produzido efetivamente nada. Só patentearam a ideia. Isso fez com que se criasse na Apple a cultura defensiva de patentear toda a ideia que tivessem, mesmo que nunca ganhe um dia o mercado.
A falha neste sistema atual de patentes é que elas são eternas e consideradas como um bem. Se o Google compra a Motorola Mobile, leva também o direito de reivindicar por invenções que ele nunca criou. Até que ponto isso é justo?
A Apple criou uma rolagem agradável de se ver, que quando chega ao fim de uma lista ou de uma imagem, ela dá um “saltinho” dando a entender que se chegou ao final. Isso é muito legal e faz uma diferença de experiência que muitas vezes o usuário saboreia sem nem se dar conta, e isso é um grande diferencial frente a concorrência.
Ela criou isso, e é justo que aproveite do recurso por um tempo antes que os concorrentes copiem. Mas o sistema atual de patentes falha ao dar a propriedade de forma “eterna” à empresa. Seria ótimo ver este tipo de recurso em todos os telefones, pois é algo que todos gostamos de ver. Mas como fazer isso respeitando uma propriedade intelectual e sem desmotivar as empresas a criar coisas novas?
Como fazer patentes que beneficiem apenas o criador
Eu penso que as patentes em geral deveriam ter prazo de validade. Hoje, na indústria farmacêutica, se um laboratório descobrir uma “nova pílula para curar unha encravada” (exemplo fictício), ele tem direito de exclusividade sobre o remédio por 6 anos. Depois disso, outras empresas podem fabricar “genéricos” com a mesma fórmula, beneficiando a população de baixa renda.
Por que não fazer isso também com a criação industrial? Continuaria incentivando as empresas a investirem em pesquisa, sem o medo de serem copiados imediatamente pelos concorrentes. Depois do prazo, todos poderiam usar a descoberta, fazendo evoluir e crescer o mercado e contemporaneamente dando tempo para a empresa pesquisar novas tecnologias para manter o seu diferencial.
Isso também acabaria com o mercado de patentes atual, que permite alguém que não criou nada processar outro que tem uma ideia parecida. Isso sim não leva ninguém a lugar nenhum.
Conclusão
O sistema de patentes atual precisa ser mudado? Sim, e urgentemente. Mas não podemos ser 8 ou 80: um sistema equivocado de patentes não justifica uma empresa copiar descaradamente a outra, sem apresentar inovações.
Tim Cook tem razão ao dizer que a vitoria da Apple nos tribunais é um recado para a indústria: roubar ideias não é o caminho.