Existem poucas coisas mais chatas do que os críticos de internet que a todo momento reclamam de “falta de inovação“, por melhor que um lançamento possa parecer. “Ah, a Apple não inova mais…“, “ah, a Apple está comendo poeira da concorrência…“, “ah, meh meh meh…“.
Basta a maçã lançar alguma coisa para escutarmos isso por todos os cantos, vindo tanto dos especialistas profissionais quanto dos amadores.
Mas se você acha que isso é algo novo, se engana: no último dia 23 de outubro completou-se 20 anos do lançamento do mítico e histórico iPod. E na época, os comentários não eram muito diferentes do que escutamos hoje.
O Mp3 Player da maçã
A virada da década de 90 para 2000 foi marcada por um fenômeno na internet chamado Napster. Esse aplicativo de compartilhamento de arquivos oferecia algo incrível para a época: a possibilidade de baixar a música que você quisesse, sem precisar sair de casa.
Em uma época que a única solução possível para comprar uma música que você gostasse era pagar pelo CD inteiro do artista, em forma física, escolher os títulos “à granel” era algo muito diferente. E o fato de ser de graça fez o Napster crescer rapidamente.
Com isso, tornaram-se populares pequenos dispositivos que tocavam arquivos digitais musicais, em formato mp3. Eles eram muitas vezes do tamanho de um pendrive, com um estreito visor que ficava passando o nome dos arquivos, individualmente.
Não havia nenhum sistema operacional interno de organização dos álbuns. Os Mp3 players eram apenas capazes de mostrar o nome do arquivo e sua extensão. Mas tudo bem, pelo baixo preço que custavam.
Dentro deste mercado, a Apple surpreendeu a todos lançando a sua proposta de Mp3 player, vitaminado e com uma tela maior. Ele trazia um sistema de navegação de álbuns, playlists e um HD interno de 5GB, prometendo ser capaz de levar 1.000 músicas no seu bolso.
Duras críticas
Mas quem hoje vê o quão importante foi o lançamento do iPod talvez não se lembre das duras críticas que ele recebeu no seu lançamento. A começar pelo seu preço, muito acima que qualquer outro player: US$ 399.
Tinha gente que reclamava de que a Apple quis gourmetizar os mp3 players, oferecendo o mesmo que a concorrência já oferecia, por um preço maior.
Outros falavam que a Apple não inovava mais, e que esse novo lançamento seria mais um fracasso como foi o Power Mac G4 Cube. E olha que na época quem criticava eram usuários da maçã. A Apple era uma marca tão pouco representativa no mercado que nem existiam ainda os seus haters.
Confira a reprodução de alguns comentários da época, postados em fóruns, Reddit e artigos especializados:
Eu não entendo a utilidade de um mp3 player.
Minha casa tem um CD player.
Meu carro tem um CD player.
Meu Mac tem um CD player
E eu não uso fones de ouvido.O iPod exige que eu mude meu estilo de vida para atender às suas necessidades…
Por $99 eu até poderia comprar esse brinquedo, mas $399? Por quê?
Um Mac com CDR (gravador de CD) não elimina a necessidade disso? Tudo o que sobra é o número de músicas que você pode tocar e a capacidade de ouvir todas elas com fones de ouvido em qualquer lugar. Eu realmente preciso de TODAS as minhas músicas o tempo todo? Uhm, não.
Não vai durar. Será outro Cubo.
Tudo o que posso dizer é que, como fã da Apple, estou triste.
Todo esse hype para um mp3 player?
Dispositivo digital inovador?
O Campo de Distorção da Realidade™ está começando a distorcer a mente de Steve, se ele pensa por um segundo que essa coisa vai decolar.
Este iPod é para crianças mimadas com pais loucos ou um fã da Apple tão fanático quanto um talibã.
Tem boas características, mas esqueça cobrar $ 399 !!!! Nunca, quem paga isso é uma pessoa muito estúpida.
Não oferece conexão sem fio. Tem menos espaço que um Nomad. Fracasso.
iPoop (“iCocô”)… iCry (“eu choro”). Eu estava tão esperançoso por algo mais.
Eu não posso acreditar nisso! Todo esse hype por algo tão ridículo!
Quem liga para um mp3 player? Eu quero algo novo!
Eu quero que eles Pensem Diferente!
Por que, oh, por que eles fazem isso? Tá tudo errado! É tão estúpido!
Vou chamá-lo de Cube 2.0 porque não vai vender nada e será descontinuado em breve… E não é realmente funcional!
Ei Steve, podemos ter um PDA agora?
Sentiu alguma semelhança com os comentários de hoje em dia?
Eu lembro bem que na época nem eu mesmo gostei muito do bicho. Achava ele enorme (parecia uma saboneteira) e pesado. A tela remetia a um passado da Apple que ninguém gostava de lembrar: o sistema operacional pré-OS X, com letras serrilhadas e em preto e branco. Em tempos de interface Aqua, aquilo não parecia nada inovador.
Mas o fato é que o iPod revolucionou todo o mercado de música digital, que na época era fortemente ameaçado pela pirataria. Em parceria com o iTunes e com uma nova loja de venda de músicas individuais por apenas $0,99, as pessoas passaram a ter uma alternativa viável e honesta de adquirir suas músicas e não quebrar a indústria.
O iPod catapultou a empresa para segmentos que ela nunca tinha chegado antes. Muita gente só começou a conhecer a existência da Apple depois do sucesso do iPod, inclusive no Brasil. Eu, que sou usuário desde o século passado, notei muito essa diferença de comportamento.
Para muitos, a Apple deixou de ser a marca “daqueles computadores diferentes que ninguém usa“, para começar a se tornar uma grife moderna e com estilo diferenciado.
O iPod foi o que fez a Apple tirar a palavra “Computers” do nome e assumir uma visão mais ampla de negócios, que na sequência deu origem ao iPhone.
Aí fica aquela grande pergunta: o que é, de verdade, inovação?
Se o iPod não tinha nada de diferente do que existia na época, como é que ele conseguiu mudar tantos conceitos e comportamentos no mundo inteiro?
Bem, talvez inovação não seja apenas as características técnicas que um produto apresenta e sim o resultado que ele causa em nosso dia a dia. Os problemas que ele consegue resolver na vida normal do usuário, sendo capaz com isso de mudar para melhor o cotidiano das pessoas.
Então, procure não se impressionar tanto com o marketing que algumas marcas fazem. Porque por mais diferente que seja uma tela de celular dobrável, de nada adianta você não poder usá-lo por ser frágil. Ou um megablaster sensor de digitais escondido atrás da tela, mas que pode ser enganado com qualquer película de 3 dólares.
Inovação só é inovação quando melhora a vida do usuário. Não o contrário.