Apresentação do iPhone: um dia que tinha tudo para dar errado
Não há dúvida nenhuma que a data de 9 de janeiro marca o aniversário de uma das mais incríveis e surpreendentes apresentações da Apple e de Steve Jobs, em todos os sentidos. E eu posso afirmar isso porque assisti todas as apresentações desde 2002, duas delas pessoalmente (as outras, por vídeo).
Steve sempre planejou muito bem suas apresentações, mas nesta do dia 9 de janeiro de 2007 ele conseguiu atingir o Estado da Arte, pensando em cada detalhe para impressionar a todos de forma cronometrada e gerenciada.
Mas tão fascinante quanto o que vimos no palco foi o que aconteceu nos bastidores, que só ficamos sabendo anos depois.
As chances de tudo dar errado naquele dia eram bem mais numerosas que o contrário, e hoje a história poderia ter sido completamente outra. E é disso que eu gostaria de conversar com vocês neste artigo.
Nós já comentamos neste outro artigo o alto risco que foi aquela apresentação para a empresa, inclusive com o protótipo usado por Jobs cheio de problemas.
Um dos livros que melhor comenta sobre estes “causos” de bastidores é o Briga de Cachorro Grande, de Fred Vogelstein. Já no primeiro capítulo ele descreve como foi toda a preparação e os imprevistos que aconteceram naquele final de semana.
Preparando o show
Normalmente, os anúncios feitos pelas empresas de tecnologia eram sempre gravados, justamente para ter tempo de consertar o que viesse a dar errado e até maquiar o que poderia ser imperfeito. Mas Jobs fazia questão de fazer apresentações ao vivo para uma grande plateia de jornalistas, executivos e aficcionados pela marca.
Para aquela apresentação do dia 9 de janeiro, Jobs ensaiou durante 5 dias, palavra por palavra, passo por passo da demonstração.
A apresentação foi na segunda, mas a Apple já tinha montado toda uma estrutura nos bastidores do auditório do Moscone Center desde a quinta-feira, para preparar tudo. Tinha até um laboratório de eletrônica nos fundos, para testar os protótipos que seriam mostrados na apresentação.
E o grande problema é que, até a véspera, nenhum deles funcionava direito; ou o aparelho perdia a conexão com a internet, ou as ligações caíam do nada, ou simplesmente o sistema travava ou desligava de repente. Um caos.
Um dos engenheiros, Andy Grignon, relatou assim aquele momento:
“A situação não demorou a ficar desconfortável. Raríssimas vezes o vi [Jobs] tão perturbado. Era como se tivéssemos repassado uma demonstração cem vezes e, em todas elas, alguma coisa desse errado“.
Um produto inacabado
A grande verdade é que o iPhone estava longe de estar pronto.
Haviam alguns protótipos disponíveis, mas em cada um tinha um problema: uns tinham uma brecha perceptível entre a tela e a borda, outros algumas partes estavam arranhadas…
Por isso, Jobs proibiu que qualquer pessoa ou jornalista tocasse em um iPhone, com medo que alguém o analisasse mais profundamente e dissesse “Credo, que troço mal-acabado“. Por isso, ele ficou em uma redoma para apenas ser visto à distância.
Com todo o segredo do projeto Púrpura, equipes diferentes não tinham contato umas com as outras, o que ocasionou vários problemas de compatibilidade nos protótipos.
Por exemplo, o processador do iPhone e o transmissor de celular não estavam conseguindo se comunicar. Isso porque a Samsung, fabricante do processador, tinha sido impedida de falar com o pessoal da Infineon, fabricante do transmissor celular. Quando juntaram os dois componentes, não funcionavam.
Tudo apontava para uma apresentação vergonhosa. Não tinha como imaginar uma demonstração do novo aparelho sem que algo desse errado.
E como já dissemos no outro artigo, a Apple não tinha outro produto para apresentar naquele dia, a não ser a Apple TV, que ainda era experimental. Se ela fosse a única novidade do dia, seria uma decepção para muita gente.
Caminho dourado
De tanto fazer testes e ver as coisas darem errado, os engenheiros se deram conta que se as demonstrações fossem feitas em uma certa sequência, o aparelho não travava.
Por exemplo, se você navegasse na internet e depois tentasse abrir um email, o sistema travava. Se fizesse o contrário, não. Então, eles traçaram o que chamaram de caminho dourado, um conjunto de tarefas realizadas em uma ordem específica para que Jobs fizesse a apresentação dando a impressão que o aparelho funcionava perfeitamente.
Isso inclusive responde para mim uma pergunta que eu sempre me fiz. Quando Jobs falou dos supostos três produtos que apresentaria naquele dia, ele disse: “Um iPod, um telefone e um comunicador de internet“. Porém, teria muito mais sentido ele falar do telefone por último, pois era a grande surpresa esperada por todos.
Ao assistir o vídeo, você pode reparar que ele fala de um iPod widescreen (muitos aplausos), um telefone (aplausos eufóricos) e um comunicador internet (poucos e fracos aplausos). Jobs era um mestre em apresentações e nunca entendi por que ele tinha deixado o anúncio de um ítem menos empolgante por último.
Agora, depois de anos, veio a resposta: era o tal caminho dourado, que obrigava ele a seguir uma sequência para o sistema não travar.
Sistema instável
O sistema operacional (mais tarde chamado de iOS) era o mais instável de tudo.
Os aplicativos não estavam otimizados e por isso ocupavam uma memória absurda, que já era pouca na época: 120MB (contra os 2GB de hoje). Era muito comum o sistema ficar rapidamente sem memória RAM quando vários aplicativos eram usados ao mesmo tempo, obrigando a reiniciar o aparelho.
Os engenheiros contornaram este problema colocando vários protótipos diferentes à disposição de Jobs, aí quando o que ele estava usando ficava lento demais, o aparelho era trocado por outro ali mesmo no palco, enquanto este primeiro se reiniciava.
O problema era o grand finale planejado por Jobs, em que ele pretendia mostrar os principais recursos do iPhone em funcionamento, colocando uma música para tocar, faria uma ligação ao vivo (para Jony Ive), deixaria a chamada em espera para atender outra ligação (de Phil Schiller), encontraria uma foto para enviá-la por email, pesquisaria algo na internet para a pessoa que estava esperando e depois de tudo isso, voltaria para a música que estava ouvindo.
Um desafio que gelou os cansados engenheiros que tinham dedicado 2 anos de suas vidas àquele projeto e estavam vendo suas carreiras ameaçadas caso aquilo não funcionasse. Mas, inacreditavelmente, no final deu tudo certo.
A grande apresentação
Quem estava assistindo, felizmente não percebeu toda esta tensão dos bastidores e conseguiu se maravilhar com todas as novidades da época.
A Apple disponibilizou o vídeo da íntegra apenas 4 horas depois, diferentemente do que faz hoje quando transmite ao vivo por streaming os eventos. Mesmo assim, assistir à introdução da tela multi-touch, ao dedo deslizando tranquilamente na tela, ao zoom com pinça e aos mapas do Google foram experiências inesquecíveis.
Era como ver a estreia de um grande filme, ou a uma final de Copa do Mundo, tamanha as emoções que aquilo causava. Havia todo um efeito wow que não existe mais nos dias de hoje, em que já desconfiamos o que a Apple irá apresentar semanas antes. Naquele dia, não se sabia absolutamente de nada, e tudo foi uma completa surpresa, com coisas que nenhum outro celular tinha.
Pela primeira vez, tínhamos um computador para levar no bolso.
Esta apresentação, para quem é usuário da velha-guarda como eu, ficará na memória para sempre, por ter sido um dia muito empolgante. E claro que dá saudades, pois desde que Jobs se foi, nunca mais tivemos nada parecido nas apresentações da maçã.
Se você ainda não viu a apresentação, ou quer revê-la, reserve um tempo para assistir (logo aqui embaixo, uma versão legendada da apresentação completa). Leve em consideração que muitas das coisas apresentadas não existiam em nenhum outro celular, e por isso deixavam quem assistia de boca aberta. Bom proveito! :)
Fonte: livro Briga de Cachorro Grande, de Fred Vogelstein