Confesso que comecei a escrever este texto indignado com a prepotência da Apple contra um pequeno filme independente. Como pode a empresa se achar dona de uma simples palavra da gramática inglesa? Isso é revoltante!
Mas conforme fui me aprofundando mais no assunto, percebi que eu mesmo estava caindo na armadilha de uma narrativa criada para chamar a atenção da mídia.
A blogosfera tecnológica começou o dia hoje fazendo alarde sobre uma disputa envolvendo a Apple e um produtor ucraniano independente.
A narrativa, se lida superficialmente, faz-nos pensar em um primeiro momento que a gigante de Cupertino quer impedir que um simples filme de comédia receba o título de “Apple-Man”.
Mas será que é isso mesmo?
Analisando os detalhes da história
Os comentários raivosos em muitos sites que publicaram a notícia chamam a Apple de tirana e malvada. Afinal, por que ser contra um simples filme que não mostra nenhum iPhone, iPad ou MacBook, que apenas conta a história de um super-herói que faz MAÇÃS flutuarem no ar?
É realmente de se indignar… se essa fosse mesmo a história.
Um detalhe que muitos estão deixando passar é que a briga não está sendo nos tribunais, tão pouco entre os advogados das duas partes. Até o momento não há nenhuma cartinha extrajudicial pedindo para o nome do filme ser alterado.
O que há (segundo palavras do próprio diretor) é uma disputa de oposição de marca no Escritório de Marcas e Patentes dos EUA.
Registro de marca
O que realmente aconteceu é que o diretor Vasyl Moskalenko solicitou oficialmente o registro do nome “Apple-Man” como marca.
Ou seja, Apple-man viraria uma marca registrada independente.
Quando você tenta registrar uma marca, uma análise é feita e se o nome for similar a outra marca já registrada, o proprietário desta última pode entrar com um pedido de oposição de marca.
O que é isso? Eis a definição:
Uma oposição de marca é um pedido de contestação interposto por uma pessoa ou empresa titular de uma marca já registrada, desde que tenha interesse na marca que está com pedido de registro em andamento, pode fazer com argumentos válidos contra um Registro concedido à tal marca.
A gente conhece bem esse trâmite, pois foi exatamente o que a Gradiente tentou fazer com a marca “Iphone” no Brasil.
(Nota: não vamos entrar na questão se isso é ou não justo. Não faremos juízo de valor a respeito das regras do escritório de patentes, combinado?)
Do jeito sensacionalista que foi noticiado pelo site iPhone in Canada, parece que a Apple está querendo impedir que o filme seja lançado com esse nome. Porém, o único fato até então é que a empresa de Tim Cook entrou somente com um pedido de oposição de marca para impedir que exista outra marca registrada com o nome similar ao dela, pois isso poderia abrir precedentes perigosos.
Imagine, no futuro, depois que o filme for esquecido, que essa marca seja revendida para outra empresa, como Samsung, que já fez alguns comerciais chamando os usuários de iPhone de idiotas? Imagine a arma que um concorrente teria para desprezar a marca.
É por isso que marcas são defendidas.
Isso significa que a Apple vai impedir que o filme seja lançado? Não, não significa.
Isso significa que ela exigiu que o filme mude de nome? Não, não significa.
Ela PODE futuramente fazer tudo isso, mas até o momento ela apenas está indo contra o registro de uma marca similar, como já fez com tantas outras.
Criando publicidade gratuita
Todo este sensacionalismo parece estar vindo do próprio Moskalenko, por motivos que podemos até imaginar.
Ele fez um vídeo, bem produzido, em que se autopromove e enfatiza que “a Apple está tentando processá-lo por causa do nome do filme“.
Ele narra que recebeu um documento com 467 páginas “cheio de terminologia de advogados“.
Confira o vídeo (em inglês):
Repare no tom dramático da narrativa do vídeo.
O vídeo tenta induzir ao erro citando termos como “processo legal contra o diretor“, mas as imagens mostram apenas um normal pedido de oposição de marca.
Será que não é uma tentativa do diretor reverter a situação ao seu favor, colocando a opinião pública contra a Apple e, ao mesmo tempo, fazer publicidade mundial do seu filme?
Conclusão
Eu já disse aqui no passado e vou repetir: a Apple nunca foi nenhuma santa. Basta lembrar o quão irônico é ela brigar por este nome, que foi roubado fortemente inspirado na gravadora dos Beatles.
Porém, em tudo o que vemos e lemos é importante filtrarmos e entendermos qual é a real intenção de quem escreve. Obviamente a narrativa de “Apple opressora” atrai muitos leitores no mundo inteiro, e é espalhada com uma velocidade muito maior do que contar sobre as coisas boas que ela faz.
Mas não dá para ficar calado quando vemos que a narrativa contada não condiz com os fatos que esta mesma narrativa tenta disfarçar. E nesse caso, independentemente do juízo de valor sobre o processo, a história parece estar sendo distorcida por um propósito comercial.
Se algum dia a Apple impedir o filme de ir ao ar, ou exigir que ele mude de nome só porque contém a palavra “Apple”, aí sim podemos ficar indignados. Afinal, não é justo privatizar palavras da gramática e não deixar ninguém mais usar.
Mas até o momento, não é isso que está acontecendo. E no lugar de dizer que “a Apple está contra um pequeno filme ucraniano”, a manchete mais sincera deveria ser “Apple se opõe ao registro da marca Apple-man”. Porque até o momento esta é a verdadeira notícia.
Mas manchetes verdadeiras nem sempre atraem cliques, não é mesmo?