O jornal americano The Wall Street Journal realiza, todos os anos, o evento All Things Digital, que reúne ícones do mundo tecnológico para uma sabatina de perguntas.
Ontem, pudemos ser agraciados com a presença do presidente da Apple, Steve Jobs, que deu um aperitivo do que será a WWDC na segunda.
Foi uma ótima oportunidade para vermos o lado humano dele falando de várias coisas que sempre tivemos vontade de perguntar: as respostas de emails, a relação com o Google, a história por trás do iPhone e muitas outras coisas.
Na última vez que ele tinha participado do evento (maio de 2007), o iPhone nem tinha sido lançado ainda.
A seguir, um resumo detalhado do que foi dito nesta entrevista.
Apple valendo mais que a Microsoft
A primeira pergunta foi sobre o fato da Apple ter ultrapassado a Microsoft em valor de mercado. A resposta de Jobs foi direta e bem sensata:
Para aqueles que estão na indústria há muito tempo, é algo surreal. Mas… (pausa) … isso não quer dizer muita coisa.
A campanha anti-Flash
O jornalista Walt Mossberg perguntou sobre o caso Flash, questionando se era justo com os consumidores cortar brutalmente um recurso popular (no caso, o Flash da Adobe), mesmo que todos os argumentos dados na carta aberta (leia “Steve Jobs publica carta aberta explicando a relação entre Apple e Adobe“) sejam reais.
Jobs respondeu que a Apple procura sempre fazer o melhor possível seus produtos e para isso, aposta em determinados caminhos pelos quais acredita que terão futuro.
Foi assim quando ela decidiu, em 1998, abandonar o drive de disquete em seus computadores. Na época, muitos também reclamaram e acharam um absurdo, mas com o tempo viram que era uma tecnologia que não tinha futuro.
Não há nenhuma guerra contra o Flash. A decisão de não adotá-lo, segundo Jobs, foi puramente uma questão técnica:
Tomamos a decisão técnica de não desperdiçar nossa energia procurando um meio de colocar o Flash na nossa plataforma. Dissemos à Adobe para nos avisar quando tivessem uma solução mais eficiente. Eles nunca o fizeram.
Ele continua, dizendo que passou 3 anos que o iPhone ficou sem Flash, mas quando o iPad surgiu também sem ele, a Adobe começou a fazer estardalhaço na imprensa.
O jornalista então pergunta se o mercado inteiro ficasse a favor do Flash, mesmo a Apple sendo contra. Foi então que Jobs deu uma das respostas mais básicas (e por isso mesmo, genial) sobre o caso:
Se o mercado nos disser que fizemos uma escolha errada, nós o escutaremos. Tentamos fazer GRANDES produtos para as pessoas e temos convicção que precisamos eliminar algumas coisas que não são boas. E é isso que as pessoas nos pagam para fazer. Tentamos fazer os melhores produtos que pudermos, e se conseguirmos, as pessoas compram. Se não conseguirmos, então elas não compram. E parece que todos estão gostando do iPad.
Para mim, a melhor resposta de toda a entrevista. É inútil ficar criticando a Apple pelas decisões que ela toma, quando deveríamos simplesmente seguir a regra mais básica do mercado: se não gostou, simplesmente não compre.
O iPad é, na verdade, o pai do iPhone
Jobs confirmou uma história que já era conhecida nos bastidores. O projeto do iPad veio antes do iPhone.
Eu tive essa ideia de criar uma tela de vidro, sem teclado, que poderia ser manipulada com os dedos. Pedi para o meu pessoal fazer e depois de 6 meses, eles me apresentaram um maravilhoso protótipo. Dei para um de nossos brilhantes caras de interface gráfica, que criou o scroll e outras pequenas coisas. Foi então que me veio a ideia ‘Puxa, podemos construir um telefone com isso!’. Então colocamos o projeto do tablet de lado e trabalhamos no iPhone.
A história já era conhecida, mas a versão de que “veio a ideia de transformar em um telefone” pode ter sido um pouco fantasiada. De fato, na época corriam muitos rumores de que a Apple lançaria um celular próprio e é grande a chance dela ter se inspirado nesses boatos para criar realmente o produto, baseado no multitoque do tablet.
O caso do protótipo perdido
Pela primeira vez, alguém pergunta publicamente para Steve Jobs sobre o caso do protótipo encontrado em um bar.
Mossberg questionou como isso pode ter acontecido. Jobs explicou que, para fazer um novo produto de comunicação funcionar bem, é preciso testá-lo fora dos laboratórios e foi aí que tudo aconteceu.
Ele não sabe ainda se foi realmente perdido ou roubado, mas acha que toda a história que foi feita em cima disso, com roubo, venda e extorsão, são ingredientes de uma verdadeira novela.
É uma história incrível. Teve furto, compra de propriedade roubada, extorsão… Tenho certeza que em algum ponto deve ter tido um pouco de sexo também… (risos). Alguém deveria fazer um filme disso.
Suicídios na Foxconn
Jobs também falou dos recentes casos de suicídios na fábrica chinesa da Foxconn (cerca de 15), que entre produtos de outras marcas, também fabrica o iPhone.
Ele disse que, apesar do fato desta média ainda ser menor que a do mercado norte-americano, eles estão trabalhando sério neste problema, com investigações próprias sobre o caso.
A concorrência com a Google
O jornalista pergunta se Steve Jobs via a atual disputa com a Google como uma guerra igual aquela entre Mac e Windows na era PC.
Jobs responde que nunca considerou que existia uma guerra de plataformas entre Apple e Microsoft, e ainda adicionou com humor “Talvez seja por isso que perdemos a guerra“. O que sempre existiu foi o esforço em fazer produtos os melhores possíveis.
A seguir, destaca que eles (a Google) decidiram se tornar concorrentes da Apple ao entrar no mundo móvel, mas afirma que não está nos planos da maçã entrar no mundo das buscas.
A compra da empresa Siri (especializada em buscas inteligentes) não foi com esse objetivo e sim para explorar métodos de Inteligência Artificial (AI).
Quanto à possibilidade de remover alguns produtos da Google no iPhone e iPad, Jobs responde, com olhos de cachorrinho indefeso:
Nós realmente somos concorrentes, mas temos vários produtos deles no iPhone. Não é porque você compete com alguém que precisa ser rude.
Rejeição de aplicativos na App Store
Sobre a crítica de que a Apple é muito autoritária na publicação de aplicativos na sua loja virtual, Jobs destaca que 95% de todos os títulos enviados são aprovados.
Ele também deixa claro a postura de apoiar dois tipos de plataformas: uma aberta, como o HTML5 e outra fechada, como a App Store, que defende a política de proteção de alguns valores para os consumidores, como a privacidade. Além disso, os apps devem fazer o que prometem, não podem travar e nem usar APIs privadas.
Estamos fazendo nosso melhor, arrumando os erros. Mas pessoas mentem. Elas correm para a mídia e falam sobre a opressão, ganhando assim seus 15 minutos de fama. Nós não procuramos a imprensa para dizer ‘esse cara é um mentiroso’. Nós não fazemos isso.
Um repórter perguntou sobre o fato da Apple ter proibido o uso de geolocalização em banners publicitários (leia mais em “Apple veta o uso da função de geolocalização para publicidade. AdMob seria o alvo?“) e Jobs respondeu com uma história interessante:
Um dia nós lemos no jornal que a Flurry Analytics tinha detectado o uso de um novo iPhone e de um tablet no nosso Campus. Como assim? Então percebemos que alguns desenvolvedores podiam enviar informações privadas dos aparelhos sem nenhum pedido de permissão dos consumidores, o que viola qualquer termo da nossa política de privacidade. Isso nos irritou e decidimos que esse tipo de informação não poderia ser mais usada com o objetivo de publicidade.
Ao ser perguntado se isso não impediria que se criasse aplicativos com boas funcionalidades para os usuários, Jobs foi categórico:
Não há NADA que justifique o fato de não perguntar ao consumidor se ele autoriza ou não o envio de suas informações privadas para uma empresa de levantamento de dados.
iPad ou notebook?
O jornalista questionou sobre o fato de nem todos terem entendido ainda que o iPad não veio para substituir o computador, mas sim para ser um novo produto.
Jobs então fez a comparação entre carros e camionetes. Antigamente, a sociedade era mais rural e precisava mais de camionetes do que de carros, mas com a evolução das cidades, esta necessidade mudou.
É a mesma coisa entre iPad e computadores: uma mudança começará a acontecer e no futuro, as pessoas irão precisar menos dos computadores e mais de dispositivos que fiquem entre um celular e um PC.
Interessante notar também que Jobs deixa vazar o que parece alguns planos para um próximo do iPad, ao dizer que o futuro é que dispositivos assim se tornem instrumentos para criação de conteúdo, como edição de vídeo. Seria um futuro iMovie para iPad?
O vídeo completo será disponibilizado nos próximos dias, mas fizemos aqui a edição para destacar os principais pontos e também disponibilizá-los no iPhone e iPad (os vídeos originais não são compatíveis).
Foi muito bom ver Jobs respondendo várias dúvidas que tínhamos, além de dar sua opinião pessoal sobre vários pontos.
Agora é esperar pelas novidades da WWDC 2010, que acontecerá na próxima segunda, a partir das 14h (confira quanto tempo falta no nosso contador, na coluna direita do site). E como sempre, você poderá conferir a cobertura completa aqui no Blog. ;)