Documentário da BBC sobre condições de trabalho em fábricas de iPhones irrita a Apple
As condições de trabalho nas linhas de produção de produtos da Apple começaram a ganhar destaque na mídia há alguns anos, quando funcionários da Foxconn (que faz produtos para a Apple e para a HP) cometeram suicídio por conta das condições estressantes de trabalho que, verdade seja dita, por muito pouco não pode ser chamado de trabalho escravo.
Estes suicídios na época causaram uma imediata resposta da Apple, que se comprometeu a trabalhar junto com seus fornecedores para regulamentar condições de trabalho como por exemplo a carga horária diária (que muitas vezes passava das 12h) e as condições de moradia dos funcionários, que habitam alojamentos dentro das próprias fábricas.
Ano após ano, a Apple tem procurado mostrar que vem tomando medidas para resolver este problema e até mesmo Tim Cook já visitou o outro lado do mundo algumas vezes para ver com seus próprios olhos como as coisas andam por ali.
Porém, ontem o canal BBC exibiu um documentário chamado Apple’s Broken Promises (ou As Promessas Quebradas da Apple), mostrando que olhando de perto, as coisas não mudaram tanto assim. E isso não deixou a Apple nada contente.
No documentário de pouco menos de 1 hora de duração, a BBC infiltra um repórter na linha de produção da Pegatron (outra provedora de serviços para a Apple), e com câmeras escondidas consegue flagrar o chocante dia-a-dia dos funcionários. A matéria começa com o repórter no centro de recrutamento da empresa, onde após ser contratado, ele tem a sua carteira de identidade retida.
Pelo fato de cidadãos chineses serem obrigados a andarem sempre junto às suas identidades, isso significa basicamente que ele não poderá desistir de ir à fábrica daquele ponto em diante. Quando ele chega à fábrica, a identidade é devolvida, e o supervisor pede que esta retenção temporária seja mantida em segredo, pois evidentemente ela não é permitida pela lei.
O programa segue com o registro do cotidiano dos funcionários, documentando a pressão psicológica a que eles são constantemente mantidos, sempre com a ameaça de que se eles pisarem na bola ou sequer se perderem pelos corredores da fábrica, eles serão substituídos por outras pessoas que já estão ali só esperando o momento de começarem a trabalhar. As longas jornadas de trabalho também são documentadas, e por vezes funcionários são flagrados caindo de sono e até mesmo dormindo sentados em seus postos na linha de produção em meio à operação das máquinas.
O documentário diz ainda que além das longas jornadas diárias, os funcionários chegam a trabalhar durante 18 dias seguidos, sem folga. Para pagar os funcionários por estas horas de trabalho além do combinado com a Apple, a empresa registra somente as horas combinadas e paga o excedente como um ‘bônus‘, assim ninguém (nem mesmo a Apple) fica sabendo durante quantas horas o funcionário realmente trabalhou.
Este documentário vai na contramão de tudo o que a Apple vem tentando fazer e demonstrar nos últimos anos. Desde que os suicídios nas fábricas da Foxconn ganharam projeção internacional, a empresa vem tentando demonstrar que se preocupa bastante com as condições de trabalho em todos os estágios da linha de produção de seus produtos, e estabeleceu regulamentações e objetivos bastante restritos junto às fábricas. A empresa também tem feito um esforço bastante notável para mostrar que ela procura acompanhar de perto o que acontece nas fábricas asiáticas.
O problema é que ao mesmo tempo que ela demonstra genuinamente se preocupar com estas questões, a empresa também impõe objetivos bastante difíceis de serem cumpridos para tentar atender à demanda gerada pelos lançamentos de seus produtos. Isso faz com que as fábricas decidam enganar a Apple, fingindo estarem cumprindo com os acordos de condições trabalhistas, enquanto fazem seus funcionários trabalharem muito além do permitido.
Não é de se espantar que a Apple tenha ficado muito incomodada com o documentário, que além das filmagens de dentro da fábrica, incluiu registros de trabalho infantil em mineradoras de estanho (material básico na produção de produtos de tecnologia), e entrevistas com analistas e especialistas em condições de trabalho, que evidentemente condenaram a Apple pelo que se viu durante todo o registro da BBC.
Jeff Williams, vice-presidente de operações da empresa, enviou um email aos mais de 5.000 funcionários da Apple no Reino Unido afirmando que ele e Tim Cook estão ‘profundamente ofendidos‘ com a premissa de que a Apple não se importa com as condições de trabalho nas fábricas chinesas, dizendo ainda que a empresa enviou ao canal de TV uma imensa quantidade de informações e dados que demonstram esta preocupação, porém estas informações ficaram de fora do documentário.
No email, Williams ainda diz que ele ‘não sabe de nenhuma outra empresa que trabalhe tanto para garantir condições seguras e justas de trabalho, para descobrir e investigar problemas, para resolver e acompanhar a resolução quando problemas aparecem, e para providenciar transparência nas operações dos seus prestadores de serviço’, e admite que ‘dá pra melhorar, e nós iremos (melhorar)‘.
Enquanto isso, a Pegatron disse que irá investigar cuidadosamente tudo o que foi exibido durante o documentário da BBC, e que irá ‘tomar todas as medias cabíveis’. Se você tiver interesse em ver o documentário, confira sua versão integral (em inglês) no vídeo abaixo.
Fontes: The Telegraph, BusinessInsider