As armadilhas do aplicativo RecargaPay
No ano passado, falamos aqui do RecargaPay, um aplicativo bem interessante que possibilita que você pague boletos com cartão de crédito, usando o Apple Pay.
De lá para cá o app recebeu diversas modificações que estão trazendo dores de cabeça para alguns usuários. E por isso, é nossa obrigação alertar nossos leitores para que não tenham o risco de perder dinheiro.
O RecargaPay nasceu de uma ótima ideia: servir como um meio de pagamento de contas, recarga de celular e outros serviços, direto no celular, usando seu cartão de crédito.
Quando o Apple Pay foi lançado no Brasil, o app foi um dos primeiros a aceitar a nova forma de pagamento, inclusive sendo destacado pela própria maçã. Porém, de lá para cá o comportamento dele mudou tanto que o app foi retirado da sessão da App Store que indica aplicativos compatíveis com o Apple Pay. A maçã parou de sugerir a instalação dele.
Nós sempre gostamos do RecargaPay. Quando ele funciona, é ótimo para pagar boletos usando o cartão de crédito, ou conseguir descontos ocasionais na recarga de bilhetes. Porém, apesar de ter nascido com uma ótima ideia, passou a adotar políticas bastante questionáveis, que não são claras e parecem sempre querer fazer o usuário ser induzido ao erro. É o que chamamos de “armadilhas” do RecargaPay, as quais são elencadas a seguir.
Assinatura do serviço
Para realizar pagamentos normais, o RecargaPay não cobra nada, é de graça. Porém, ele oferece um plano mensal pago com alguns benefícios bem discretos, caso alguém queira assiná-lo.
O problema é que tudo é feito de uma maneira para fazer os mais distraídos assinarem o serviço sem perceber. E muitas vezes nem querer.
É fato que o dia a dia de todos está mais corrido nos últimos anos, e a todo momento somos bombardeados por banners publicitários e janelas de mensagens perguntando bobagens. Isso fez com que muita gente passasse a não prestar mais atenção em avisos que aparecem na tela. Isso é uma coisa ruim e obviamente a instrução é que você sempre leia os avisos da tela antes de confirmar qualquer coisa. Porém, usar deste comportamento geral para vender seu serviço não é algo muito louvável.
Se você não é assinante do RecargaPay, nos pagamentos que fizer aparecerá uma janela dizendo que você não tem a assinatura, oferecendo a opção para você fazer uma ou continuar não tendo. O problema é que a opção de aceitar a assinatura já vem marcada por padrão. Se você se descuidar e apertar CONTINUAR, já assinou o serviço e ele será descontado automaticamente do seu cartão de crédito.
É possível ver na própria App Store os comentários de dezenas de usuários reclamando da cobrança de uma assinatura que nunca autorizaram. É como se o aplicativo se aproveitasse de um comportamento do usuário para induzi-lo ao erro.
Parcelamento induzido
A mesma tática de se aproveitar da distração do usuário acontece na forma de pagamento. Você escaneia o código de barras de um boleto e a tela apresenta todos os dados para você pagar.
Porém, se você não ficar atento, não perceberá que o aplicativo automaticamente configura para você pagar em 3 vezes aquela conta, com juros que vão direto para a empresa. Dos diversos aplicativos de pagamento no Brasil, o RecargaPay é o único que tem este comportamento com seus usuários.
Alguns reclamam que, mesmo selecionando pagamento único, o sistema muda sozinho para 3x. É o caso do nosso leitor Gustavo, que está recorrendo à justiça para reaver a cobrança que ele considera indevida.
Estou com uma ação judicial em andamento contra o RecargaPay.
Tudo começou quando minha namorada disse que foi fazer uma recarga (de créditos de operadora) no celular e disse que ela marcou como “à vista”, mas entrou como “3x com juros”. Claro que de imediato eu falei que foi falta de atenção dela, que ela tinha que ter mudado e tudo mais.Enfim, o tempo passou e eu continuei pagando minhas contas e realizando recargas no RecargaPay. Dia 03 de Novembro de 2018 eu realizei o pagamento das minhas contas, normalmente, e como de costume, sempre selecionando à vista, para não pagar juros. E em um boleto de 833 reais, quando eu cliquei em confirmar, eu pude notar o aplicativo mudar para 3x e cobrar juros. Foram adicionados na cobrança 84 reais, o valor de 833 virou 917 parcelado em 3x de 305 reais.
Claro que de imediato eu mandei um email informando o erro e solicitando o cancelamento do pagamento, pois foi erro do aplicativo, e foi aí que começou minha saga.
03/11/2018 – Solicitei cancelamento Obtive resposta que o aplicativo não faria isso mas que como foi minha primeira compra (depois de meses usando) parcelada, eles estornariam o valor do juros na minha carteira do RecargaPay em até 2 dias. Eu esperei 2 dias e não caiu nada na carteira, voltei a cobrá-los e me informaram que estavam com erros no sistema e não conseguiram fazer o estorno do valor na carteira e pediram para eu aguardar mais 2 dias. Essa de pedir 2 em 2 dias levou um mês.
Eu recebi nova resposta, dizendo que levaria até 2 faturas para receber o valor de volta, que o sistema estava inoperante.
Dia 03 de Dezembro de 2018 eu resolvi agir, fui até o Forum Regional da Vila Prudente e processei o RecargaPay no Juizado Especial Cível (JEC), pois o valor não estava sendo estornado de forma alguma, nem em carteira e nem em fatura de cartão. Eu só pedia o juros de volta, mas não realizaram a devolução do valor, sempre com problemas de sistema.
Na App Store também ha dezenas de reclamações semelhantes a esta.
Veja em vídeo um exemplo da mudança acontecendo mesmo depois do usuário ter selecionado a opção de pagamento à vista:
Sequestro do pagamento
Há um outro problema que alguns usuários enfrentam, e que não é raro de acontecer: ao realizar um pagamento, o sistema informa como “Pendente” e segura-o por horas, às vezes dias. Nem sempre há uma razão lógica para isso e parece ser meio aleatório.
Há casos de usuários que pagaram um boleto dois dias antes do vencimento e o sistema segurou o pagamento todo este tempo, para depois dizer que ele não foi realizado. O usuário então tem que arcar com juros, pagando o boleto em outro lugar.
“Eu paguei a conta do meu condomínio usando o RecargaPay, mas por alguma razão apareceu como Pagamento Pendente. Percebi que eles já tinham descontado no meu cartão, então aguardei, pois queria evitar duplicidade caso pagasse em outro lugar. Só após 2 dias o aplicativo me comunicou que o pagamento não foi realizado. Tive o constrangimento de aparecer nos registros do condomínio como alguém que não pagou a conta, além de arcar com os juros do atraso.”
O cliente recebe um e-mail avisando que o pagamento está em análise e dizendo que ele pode cancelar caso queira. Mas nem no e-mail e muito menos no aplicativo há qualquer botão ou opção que permita o cancelamento. O RecargaPay não oferece opções acessíveis para o cliente cancelar o pagamento.
Suporte que não responde
Em todos os contatos que tivemos com a direção do RecargaPay, eles se vangloriam por atender rapidamente todos os problemas dos clientes. Mas na prática, não parece ser o que acontece de fato. Fizemos alguns testes de campo e os resultados não foram nada satisfatórios.
Em um pagamento que ficou “Pendente”, tentamos de todas as maneiras entrar em contato com o suporte, para saber se a conta seria paga ou não. Nem por e-mail, nem na página do Facebook obtivemos qualquer resposta em tempo hábil. Em um dos casos, só foram nos responder 9 dias depois.
No aplicativo, não há um lugar claro e fácil para entrar em contato pedindo ajuda. Já não era no início, e com o tempo parece que dificultaram isso ainda mais. No perfil do usuário há um botão “Ajuda”, mas há semanas que ele simplesmente não funciona.
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Novidade: juros escondidos
A falta de transparência do aplicativo parece não ter fim. Recentemente recebemos relatos que, mesmo selecionando o pagamento em uma parcela só, o que é descontado do cartão é de valor maior.
“Fui pagar a NET pelo RecargaPay e parece que eles estão cobrando taxas, sem nenhum tipo de aviso ao usuário”.
Nos vários exemplos enviados para nós, a taxa extra foi de 1,99%. Diversos outros aplicativos de pagamento cobram taxas em cobranças pagas por cartão de crédito, mas TODOS deixam bastante claro isso ao usuário. Passar a cobrar, de uma hora para outra, sem comunicar claramente isso, é considerado por muitos como um ato de má fé.
Ao procurarmos nas letras miúdas dos Termos e Condições (atualizado sem aviso na semana passada), é possível encontrar uma mudança na política de pagamentos, que agora passa a cobrar 1,99% caso o usuário ultrapasse o valor de R$2.000 no mês em pagamentos.
Até então, quando o usuário atingia este limite, qualquer outro pagamento extra era recusado. Agora, o pagamento é aceito, mas como o usuário desconhece a nova regra, ele é induzido ao erro e acaba pagando mais sem perceber que o valor final é diferente.
Vale ressaltar que taxa de 1,99% é considerada boa em relação às opções dos concorrentes. Porém, em vez de destacarem esta qualidade, preferem esconder do usuário e não deixar claro no momento do pagamento. ATUALIZAÇÃO: após a publicação deste artigo, a taxa aumentou para 2,49%, sem aviso, para induzir o usuário ao erro.
Outros aplicativos com o mesmo objetivo respeitam bem mais o cliente. O MercadoPago, por exemplo, possui um limite de R$1.000 por mês. Se você passou este limite e tenta pagar uma nova conta, o aplicativo lhe avisa na hora, de forma clara, o quanto você pagará de juros sobre aquilo que ultrapassar o limite mensal. É uma forma muito mais honesta e transparente de oferecer o seu serviço. Já o PicPay não deixa você continuar enquanto não confirmar que entendeu a cobrança extra (o que é digno de aplausos).
O usuário merece respeito
Que fique bem claro: ninguém aqui está pedindo para o RecargaPay oferecer seus serviços de graça. Sabemos o quanto é duro manter uma empresa no Brasil e que bons serviços devem ser cobrados. Porém, isso deve ser feito sempre com transparência e respeito ao consumidor. Fazer um aplicativo com difícil acesso ao suporte e que tem diversos mecanismos que induzem centenas de usuários ao erro, ou é incapacidade da equipe técnica em identificar falhas (e resolvê-las), ou é ato de má-fé. E nós preferimos acreditar que o caso do RecargaPay seja a primeira opção.
Toda vez que o usuário consegue entrar em contato com o suporte relatando algum problema, a desculpa é sempre a mesma: “Houve uma falha temporária no sistema“.
Conversamos com Renato Camargo, CMO da empresa, sobre todos os relatos que recebemos e os problemas que presenciamos:
“Obrigada (SIC) pelo seu email, ele é muito importante para nós, pois temos o compromisso de melhorar constantemente o nosso aplicativo.
Crescemos +1000% (ano contra ano) com a vertical de pagamento de contas e estamos nos ajustando na maior velocidade possível. Infelizmente, acontecem algumas falhas de forma não intencional, e, por isso, estamos aumentando significativamente nossa capacidade técnica, de equipe e de atendimento ao cliente.
Mas te garanto que nossos clientes estão sendo prontamente atendidos. Temos, inclusive, o selo RA1000 do Reclame Aqui (ganhando o 3o lugar na premiação deste ano), além de uma das melhores classificações na Google Play, com mais de 291k reviews.
Te peço desculpas, em nome de toda nossa equipe, deixando registrado nosso compromisso de melhoria de forma rápida e definitiva.”
Camargo não nos respondeu, de forma efetiva, porque a demora em sermos respondidos no suporte ou a razão de “sequestrarem” um pagamento por 2 dias, sem dar uma satisfação e prejudicando o usuário.
Parece que o foco da empresa é se preocupar mais em responder rápido reclamações do ReclameAqui do que se esforçar para EVITAR que as reclamações existam.
O consumidor deve ser respeitado, sempre. E este respeito vai muito além do que respostas prontas ou desculpas que não solucionam o problema dele.
A ideia do RecargaPay é sensacional: permitir que você pague boletos, compre créditos, recarregue o celular, tudo na palma da mão, e ainda podendo usar o Apple Pay. Porém, no momento que ele começa a dar dor de cabeça para quem o usa, é necessário que conceitos sejam revistos e se organize o que está funcionando mal. E esperamos que a equipe do RecargaPay consiga fazer isso.
Ficaremos de olho.