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Opinião

Presidente da Gradiente inferioriza brasileiros e tenta chamar suas cópias de *inovação*

Cada capítulo que passa da novela Gradiente vs. Apple me surpreende, por mais que já conheçamos todos os detalhes envolvidos.

Neste final de semana, Eugênio Staub, presidente do conselho da Gradiente, deu uma entrevista para a Folha e disse que as críticas que a empresa recebe por reivindicar a marca “iphone” é culpa dos brasileiros e não da sua incapacidade de inovar.

Staub criticou o “complexo de vira-lata” do brasileiro, que, segundo ele, desvaloriza inovações nacionais como o lançamento do telefone G Gradiente iphone em 2000, sete anos antes da Apple lançar o iPhone no mundo.

Guarde bem essa frase: “desvaloriza inovações nacionais“. Vamos rir um pouco dela mostrando o que de fato aconteceu no mundo real (fora da bolha de Staub).

Gradiente iphone
Staub segurando a maior inovação do mundo (segundo ele)

Complexo de vira-lata

Para Staub, a razão de muitos criticarem a Gradiente por processar a Apple é causado pelo velho “complexo de vira-lata“, expressão cunhada por Nelson Rodrigues que é usada para denominar uma situação em que o próprio brasileiro dá mais valor para o que vem de fora do que para coisas daqui.

É a ideia de que tudo que é brasileiro seria menos valioso ou pior do que o que vem do exterior. Essa mentalidade faz com que muitas pessoas desvalorizem o que é feito no país.

Mas desde que Nelson Rodrigues popularizou esta frase, muita coisa mudou. Ele, como comentador esportivo, se referia ao desdém que os brasileiros tinham com nossa Seleção de futebol, que perdeu a final no Maracanã na Copa de 50.

Hoje, a Seleção já ganhou 5 títulos mundiais e, apesar de não estar em um ótimo momento, ainda é considerada uma das melhores do mundo.

Mas voltando à declaração de Staub, ele quis dizer que somos nós, brasileiros, que não reconhecemos a grande inovação da Gradiente na telefonia brasileira.

Nossa, nem imaginava que a culpa era minha!

O suprassumo da tecnologia no ano 2000

Não vou entrar no mérito de quem tem a razão no processo contra a Apple. O que sei é que, de fato, a Gradiente registrou no Brasil uma marca que já existia nos Estados Unidos, criada um ano antes pela Cisco. Mas prefiro não me manifestar sobre o resultado na Justiça, porque nem advogado eu sou. Eles que se entendam.

O que quero discutir são os argumentos usados. E na minha opinião, são estapafúrdios (para usar uma palavra do tempo do sr. Staub).

A grande inovação da Gradiente era… uma cópia

Staub cita em sua entrevista que o brasileiro não reconhece as grandes inovações da Gradiente, afirmando que foi uma das primeiras a lançar no Brasil um celular com acesso à internet.

Mas o fato é que nada do que o Staub chama de inovação foi criado pela Gradiente. Foi tudo copiado (ou licenciado) de marcas estrangeiras.

Até mesmo o tal Gradiente iphone, centro da disputa, é uma réplica nos mínimos detalhes do Nokia 7110, também conhecido como “Matrix Phone“, por ter sido lançado no filme Matrix, em 1999. Um ano antes da “grande inovação” da Gradiente.

O inovador “Gradiente iphone” tinha mesmo design e sistema que o Nokia 7110, de 1999.

Até mesmo o sistema da Nokia era usado pelo aparelho da Gradiente, o que faz pensar que ela licenciou o design e o sistema para lançar no Brasil em uma época que a Nokia não tinha penetração em nosso mercado. Mas isso Staub parece “esquecer” de comentar.

Staub prefere chamar de “inovação” você trazer a criação dos outros lá de fora e dizer que é sua. Provavelmente Nelson Rodrigues deveria ter uma expressão para definir isso também.

Cheia de dívidas, Gradiente apela para a Justiça

Depois, em 2012, quando a marca “gradiente iphone” não era mais usada há décadas e estava prestes a caducar, a Gradiente resolve entrar na justiça contra a Apple, pedindo dinheiro em um momento que estava em dificuldades financeiras.

Mas não, ela não estava querendo se aproveitar da Apple, é você que tem complexo de vira-lata.

Um ano depois, para evitar que a marca caducasse por não existir nenhum produto com ela, a Gradiente inova mais uma vez (sic) e relança um novo gradiente iphone, completamente inovador: um dispositivo Android de categoria média, importado da Ásia. Pois é, nem mesmo era fabricado no Brasil.

Essa é a “inovação” que o sr. Staub diz que os brasileiros não apreciam. Uma inovação importada do estrangeiro.

inovações da Gradiente
“Inovações” inspiradas em produtos de outras marcas

É triste quando o argumento “complexo de vira-lata”, que hoje em dia nada mais é do que inferiorizar o povo brasileiro e invalidar suas opiniões, é usado para acobertar intenções financeiras.

Não haveria nada de imoral a Gradiente exigir uma indenização por uma marca que ela registrou primeiro no Brasil, mesmo que não tenha sido a primeira a criá-la. É a lei.

Porém, ficar inventando historinhas de inovação, lançando aparelhos ruins que enganaram algumas centenas de clientes e depois se colocar como injustiçada, imputando a culpa em quem critica, é algo baixo e pequeno.

E isso reflete no que a marca é hoje: pequena.

Este é um artigo de opinião, construído como um react de uma notícia. Você tem toda a liberdade de concordar ou de discordar do autor sobre o conteúdo deste texto em nossos comentários, desde que seja de forma construtiva e civilizada. 😉

15 Comentários

  1. Excelente texto!

    Cara, não só de celulares, mas tudo da Gradiente e das marcas BRs mais famosas, tipo Muitilaser, positivo, etc. são péssimos produtos, feitos para enganar o consumidor desatento por terem um 'preço mais justo' com aparelhos completamente defasados.

    Um simples cel daqueles modelos antigos, que nem tem WA é horrível! Minha sogra teve um cel desses e em menos de 1 ano a bateria inchou, antes disso nem segurava carga direito.

    Complexo de vira-lata merda nenhuma, tem uma frase que o Joel J fala que é "paladar não retrocede", quando vc experimenta os aparelhos exportados, vc vê que há um abismo entre o que essas empresas BRs ofertam aqui e o que é tecnologia de ponta.

    Eu não sabia que a Gradiente estava sendo tão mal-caráter e usando essa questão de "inovação tecnológica brasileira" no processo, é uma PIADA! Como fala no texto, se tivessem dito apenas a questão da patente sobre o nome Iphone, eles estariam certos, mas partiram para uma justificativa bizarra!

  2. Gradiente registrou primeiro e isso não está sendo respeitado.
    Todo o sistema de marcas tem isto como um dos requisitos para a sua concessão (assim como quem deposita primeiro, no caso de patentes).
    O INPI fez corretamente o seu trabalho e a justiça está simplesmente atropelando isso.
    A insegurança jurídica nesse país é latente.
    Houve um país em que a Apple não conseguiu registrar o iPad porque já haviam feito isso antes. Aparentemente, como sabia que o registro não seria revogado, fez um acordo com o detentor da marca e vida que segue. Mas aqui, ganha o mais forte $$$.

    1. Sim, você está certo.
      Mas não se coloca aqui a questão do registro da marca que, como admite o texto, faz parte da legislação. O que se critica são as atitudes questionáveis da empresa. 👍

      1. Aí tem que entrar até um pouco de empatia. Eu realmente não sei como reagiria se meu bem (sim, marca é um bem intangível que pode ser até mais valioso que os bens físicos) simplesmente fosse usurpado e pra piorar com a anuência da justiça, mesmo sendo de notório saber que eu possuo todos os requisitos legais para tê-lo.
        Fazer juízo de valor nessa situação é complicado, pois pela premissa, o resto nem deveria existir.

    2. Ainda assim, balela. Os caras faltando um dia pra patente vencer, reaproveitaram um celular fubuia qualquer da china, meteram o nome Gradiente iPhone e seguem dando carteirada assim? Seria mais digno admitir que não estão nem ai com o nome, até porque deixaram pra lá, mas viram que podiam tirar um extra da Apple. Mas isso não admitem…

      1. É preciso entender que MARCA é uma coisa totalmente diferente de DESENHO INDUSTRIAL ou PATENTE.
        Para a Gradiente foi concedido o registro da MARCA e isso não está sendo respeitado. O resto sim é balela.
        Mesmo que ela utilizasse essa MARCA em qualquer tijolão, ainda assim a ela estaria assegurada a exclusividade.

        Em relação à inovação, o Brasil é signatário da conversão de Paris (CUP) desde 1975. Isso nos trouxe um problema, pois tivemos que respeitar o sistema patentário e grandes empresas internacionais fizeram os depósitos aqui, ganhando 20 anos ou até mais de exclusividade na matéria pleiteada.

        China postergou a assinatura desse tratado para que tivesse tempo de fazer tudo que tivesse ao seu alcance para “aprender como fazer”. A engenharia reversa era feita na cara dura. Muitos carros eram desmontados em eventos e você até via parafusos deixados no chão, por exemplo.
        Acordos para associação de empresas estrangeiras com empresas nacionais para ganho de benefícios econômicos propiciaram também que eles aprendessem “como produzir “. Algumas vezes esses acordos nem eram facultativos.
        A China praticamente só se adequou à conversão de Pairs em meados dos anos 2000 quando já tinha evoluído (copiado) bastante em todas as áreas.
        Hoje em dia a China superou os Estados Unidos em termos de depósitos de patentes e muitas novas tecnologias são de fato genuínas de lá.

        Então quando pensar em propriedade industrial, tenha isso em mente.

  3. A verdade é que, quando o assunto é inovação, o Brasil ainda engatinha. Falo com propriedade, pois trabalhei em uma empresa que revendia materiais de tecnologia e tive contato direto com o discurso padrão das marcas: "Veja bem, nossos pesquisadores, em nossos laboratórios, desenvolveram esta solução inovadora". No entanto, ao questionar durante os treinamentos obrigatórios e apontar que a solução era idêntica à de concorrentes X ou Y (muitas vezes um licenciamento OEM chinês), a resposta era evasiva, sempre desconversando.

    Isso é reflexo de um mercado que tenta disfarçar a dependência de tecnologias importadas. Um exemplo claro está em uma conhecida empresa de câmeras de segurança. Eles produzem vídeos semanais e mensais apresentando supostas inovações que, no fundo, sabemos que o Brasil não tem capacidade de desenvolver de forma independente. Recentemente, fiz manutenção em um sistema de câmeras de uma residência, e, por curiosidade, utilizei o software de rastreamento de ativos de um fabricante chinês. Não foi surpresa descobrir que 100% dos equipamentos eram fabricados na China, mas travestidos de produtos brasileiros dessa marca nacionalmente conhecida.

    Essa prática não é isolada. Empresas brasileiras frequentemente ludibriam os consumidores ao oferecer produtos baratos, importados e com altíssimas margens de lucro. Gradiente é um exemplo clássico, que, como muitas outras, vive desse modelo.

    Na minha opinião, as exceções à regra são poucas. Empresas como a WEG e a Embraer conseguem se destacar por sua capacidade de inovação genuína e competitividade global. O restante? Bem, muito do que vemos no mercado nacional é absolutamente questionável. O Brasil ainda precisa avançar muito para deixar de ser um “neném” quando o assunto é inovação tecnológica.

  4. A verdade é que, quando o assunto é inovação, o Brasil ainda engatinha. Falo com propriedade, pois trabalhei em uma empresa que revendia materiais de tecnologia e tive contato direto com o discurso padrão das marcas: "Veja bem, nossos pesquisadores, em nossos laboratórios, desenvolveram esta solução inovadora". No entanto, ao questionar durante os treinamentos obrigatórios e apontar que a solução era idêntica à de concorrentes X ou Y (muitas vezes um licenciamento OEM chinês), a resposta era evasiva, sempre desconversando.

    Isso é reflexo de um mercado que tenta disfarçar a dependência de tecnologias importadas. Um exemplo claro está em uma conhecida empresa de câmeras de segurança. Eles produzem vídeos semanais e mensais apresentando supostas inovações que, no fundo, sabemos que o Brasil não tem capacidade de desenvolver de forma independente. Recentemente, fiz manutenção em um sistema de câmeras de uma residência, e, por curiosidade, utilizei o software de rastreamento de ativos de um fabricante chinês. Não foi surpresa descobrir que 100% dos equipamentos eram fabricados na China, mas travestidos de produtos brasileiros dessa marca nacionalmente conhecida.

    Essa prática não é isolada. Empresas brasileiras frequentemente ludibriam os consumidores ao oferecer produtos baratos, importados e com altíssimas margens de lucro. Gradiente é um exemplo clássico, que, como muitas outras, vive desse modelo.

    Na minha opinião, as exceções à regra são poucas. Empresas como a WEG e a Embraer conseguem se destacar por sua capacidade de inovação genuína e competitividade global. O restante? Bem, muito do que vemos no mercado nacional é absolutamente questionável. O Brasil ainda precisa avançar muito para deixar de ser um “neném” quando o assunto é inovação tecnológica.

    1. Não sei, mas acho que vc tá falando da IntelBras, e hoje cedo estava falando com a minha namorada dessa empresa ser uma das boas aqui do br, mas eu acredito que vc esteja correto no que está afirmando. Só que ai fica a dúvida: Copiar dos chineses é tão errado quanto copiar de outras marcas mais "inovadoras"?

      Pq eu tenho quase certeza que quase todos os produtos chineses são cópias de outros países kkk

      1. O ponto não é exatamente "copiar dos chineses" ou de qualquer outra marca, mas sim compreender a diferença entre copiar e traduzir. Trocar apenas o skin de um produto, ou seja, mudar a carcaça, a interface ou o nome, não altera a essência do que ele realmente é, e de como funciona. É o mesmo produto, com outra aparência. Isso não é inovação, mas um esforço de marketing para parecer algo original. Se uma empresa pega algo pronto, troca o nome e vende como "desenvolvimento próprio", está descaradamente enganando o consumidor. Agora, se adapta ou aprimora a tecnologia, aí sim está agregando valor. A questão é a transparência e o esforço genuíno para criar algo relevante, não apenas maquiar o que já existe. Essa empresa que você mencionou realmente passou de todos os limites. Agora, estão alegando "inovação" até em softwares. Inauguram o software OEM, o que é, no mínimo, um absurdo. Afinal, pegar algo já desenvolvido por outro, trocar o logo ou fazer pequenas alterações superficiais, e depois vender como se fosse um produto original é um desrespeito à inteligência do consumidor e até das relações de consumo. Atitudes como as dessa pseudoempresa enfraquecem o mercado nacional, porque empresas que realmente se esforçam para inovar acabam enfrentando a concorrência desleal de quem só FINGE criar. E, no final, quem perde é sempre o consumidor, que paga caro por um produto que não entrega nada além do que já estava disponível no mercado internacional.

        1. Eu entendo o seu ponto e até concordo.
          Mas só para esclarecer, é muito comum na China os produtos white-label, que são criados e oferecidos para diversas empresas colocarem sua marca.
          É mais comum do que se imagina.
          Em multimídias de carros, por exemplo, são várias marcas, muitas vezes com o mesmo produto.

      2. Na verdade eles nem copiam né? Só pegam as coisas prontas, metem a própria marca e vendem como criação propria kkkk

    2. "A verdade é que, quando o assunto é inovação, o Brasil ainda engatinha."
      Pelo contrário, o Brasil tem muita inovação, mas nem sabe. Canso de ver no Linked In a galera comemorando reinvenção de roda. Isso pq não tem o hábito de checar pesquisas, artigos científicos. A grande maioria desconhece até o básico Google Acadêmico, por exemplo. Não é um problema de inovação, mas de educação e de formação. Tem muita coisa boa, testada com metodologias sólidas (ao contrário dos testes meia-boca dos quais aquela galera se vangloria), pedindo pra ser adaptada para a produção em série.

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